25.2.13

Pink Floyd

"Home, home again
I like to be here when I can"
A música dos Pink Floyd, em particular estes dois versos, não lhe saíam da cabeça. Este regresso a casa era nostálgico e levara-o a recordar como ouvira o "Dark side of the moon" vezes sem conta deitado naquela cama onde agora se estendia. 
Vezes e vezes, até gastar a fita no  seu leitor de cassetes com auscultadores cobertos de esponja. A maquineta que durante anos foi consigo para todo o lado apesar de não gostar da mostrar. Enquanto os outros exibiam "walkman" de marca, da Sony, da Philips, da Aiwa, da Grundig, o seu aparelho, azul, tinha uma referência desconhecida típica de produto comprado na feira a preços mais convidativos. Mas nunca o deixou ficar mal, até morrer de velhice ao ser substituído pelo extraordinário leitor de CD comprado com o primeiro ordenado, no fim do secundário.
Ali deitado, contemplando um tecto que conseguia ver mesmo com os olhos fechados, lembrou-se de um momento exacto, num dia de Verão, com muito calor, em que esteve ali deitado com as pernas de erguidas de encontro à parede, mesmo ao lado da janela, para sentir o fresco de encontro à pele exposta pelo fato de banho. Esteve ali a ouvir aquele preciso disco, aqueles precisos versos, enquanto fazia tempo para ir para a praia, sem escaldar. Como eram quentes os Verões. À memória vieram-lhe semanas seguidas com temperaturas superiores a 40º e teve saudades dessa época em que férias grandes eram mesmo grandes, três meses de liberdade.
Nesse mesmo dia fora para a praia reunindo-se ao grupo de sempre, mas chegando-se a Filipa, com quem tinha estado todos os dias desde o início das férias. Intimamente pensava que da escuta atenta do disco lograra a paz interior, a segurança, para poder revelar a paixão que por ela tinha. Quando antecipava o momento perfeito, quando construía a ocasião ideal, quando afogava a ansiedade que o comia por dentro chegou o bronzeado Vasco, com os músculos desenvolvidos, o cabelo rebelde, os dentes perfeitos, brancos e direitos. E nem vinte minutos depois estava ele dentro de água a agarrar Filipa pela cintura, rindo e transpirando segurança, absorvendo toda a sua atenção. Filipa. A morena com a qual sonhara sonhos que naquele momento ruíram com estrondo.
De volta à toalhas, aquele palerma que invejava já pegava na toalha e a ajudava a secar, tocando-lhe, agarrando-a, para ao seu lado se deitar, afastando-se de todos os demais. 
Filipa e Vasco. Como os odiou a ambos quando os viu trocar beijos. "Os meus beijos. Eram meus, Filipa, eram meus e tu deste-os a esse oportunista acabado de chegar. E eu, Filipa? E eu? Há duas semanas à espera dos teus favores..."
Aproveitou a primeira deixa para sair da praia e voltar para casa. Voltar para aquela cama onde enfiou os auscultadores e voltou a ouvir a fita do "Dark Side of the Moon", à procura de uma tristeza que não encontrou, de uma depressão que nunca viria. Era Verão e tinha catorze anos. Filipa era apenas mais uma das inúmeras paixões que teve na adolescência e que nunca deixaram marca. 
Apesar de recordar tão bem aquele dia não havia ali qualquer despeito, tristeza, mágoa. Recordava-o porque, à distância de um quarto de século aquela cena era tão ridícula. Ridícula para si e tão importante para Filipa e Vasco que desde esse dia estavam juntos, casaram, consigo como padrinho, e tiveram três filhas, duas delas já na universidade...
Filipa e Vasco eram já então adultos em potência ao passo que ele, naquele Verão, era tão só um puto borbulhento que não fazia ideia de quem era, o que queria, o que fazia. Um puto borbulhento que em casa se deitava horas a fio apenas a ouvir música pelos auscultadores, absorvendo melodias e letras que ainda hoje apareciam instantaneamente ao reconhecer os primeiros acordes. 
"The sun is the same, in a relative way, but you're older, shorter of breath, and one day closer to death"

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