26.2.13

R.E.M.

A entrada da discoteca não escondia o que lá dentro iríamos encontrar. As portas estavam pintadas de preto brilhante mas uma observação próxima revelava que mais não eram que enormes portões de chapa que já ali estariam quando aquela era a entrada para um quintal ou uma garagem. Por cima, o néon anunciava um pouco promissor "Sympathia", algures entre o alterne e o inocente, revelando a indecisão que inspirara alguém a abrir uma casa daquele género no meio de uma vila tão pequena e tão rural.
Não havia ninguém à espera para entrar, estando franqueadas as portas para o negócio, longe da prosperidade. Nada era cobrado à entrada. Nenhum cartão. Nenhuma revista. Nenhum cuidado. Apenas o erguer do olhar do segurança que se revelava pelo sobretudo negro com um cartão na lapela.
Assim que passámos a porta fomos bombardeados por vermelho e prata, os tons de eleição para alimentar uma ilusão de qualidade, de requinte, de destaque. Não tinham tido muito sucesso.
Meia centena de pessoas, dos quinze ao cinquenta, espalhavam-se pelo espaço que era amplo. Tão amplo que parecia vazio, a música ecoando por entre espelhos e cortinados. A fraca iluminação tinha contributos de uns gigantes candelabros com velas acesas contribuindo para montanhas de escorrências de cera, alimentando  um claro risco de incêndio que não preocupava ninguém. 
O bar, corrido, ocupava uma parede inteira, enorme para o casal que lá atrás esperava por pedidos de bebidas. Pelo seu ar repousado percebia-se que não estavam habituados a enchentes e que o ritmo do seu trabalho seria sempre pausado e sem tensão. 
Encostámo-nos ao balcão e de imediato percebemos que não haveria muito por onde escolher, já que as muitas garrafas que faziam a parede de fundo repetiam amiúde meia dúzia de marcas por cada tipo de bebidas. Enquanto pedíamos ouviram-se os primeiros acordes do "Losing my Religion", dos R.E.M., gerando gritos de reconhecimento, em particular entre os mais jovens que saltaram para a pista de dança, mero quadrado marcado no chão com uma pintura clara para reflectir os tons multicolores das luzes que seguiam a música.
"Trying to keep up with you
And I don't know if I can do it 
Oh no I've said too much 
I haven't said enough"

Este foi o preciso momento em que eu e Pedro vimos Carolina a chegar ao balcão. Ao contrário do resto do mundo, parecia indiferente à música do momento que nos fazia abanar de copo na mão. Ali estava ela, com calças e blusão de ganga clara, e uma camisa branca que reflectia a luz negra fazendo-a brilhar na escuridão com aquele tom azulado. O cabelo, enorme, era sustentado de uma forma mágica envolvendo-a e destacando-a ainda mais. Era bonita. Muito bonita.
"But that was just a dream 
That was just a dream"
Quase de imediato eu e Pedro avançámos ao seu encontro para meter conversa. E logo percebemos que daquela vez não haveria hipótese de entendimento. Seria cada um por si e logo se veria quem ganharia o troféu.
No início foi tão fácil. Nós éramos dois tipos de fora, da cidade, destacávamo-nos do resto com um pouco de sofisticação e conversa. Carolina foi receptiva, deu-nos conversa, aceitou umas bebidas, revelou-se mais interessante, mais cativante, mais apaixonante do que algum de nós estaria disposto a prever.
Jogou o seu jogo e seduziu-nos. Ao invés de um tempo bem passado, entrámos numa espiral de competitividade, numa guerra sem quartel por causa daquela mulher de olhos azuis. Esquecemos tudo o que nos unia, os anos de amizade... tudo por uma mulher que depois nos descartou sem rodeios, sem qualquer dificuldade. Uma mulher que nos separou.
Desde aquele Verão de 1991 que não falava com Pedro. Fiquei sempre à espera que fosse ele a retomar o contacto. Mas nunca o fez. E eu, orgulhoso, também não dei o primeiro passo.
Hoje, aqui, no seu funeral, percebo como fomos parvos estes anos todos. Como éramos parvos então e como deitámos tudo a perder ao som de uma música.
"But that was just a dream, try, cry, why, try 
That was just a dream, just a dream, just a dream 
Dream"

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