"A 100 metros, vire à direita."
"Vire à direita, agora"
"Siga mais 1200 metros e vire à esquerda."
"Vire à esquerda agora."
Horácio seguia cegamente as instruções monocórdicas do GPS, sem hesitações pois sentia que aquela não era a zona adequada para se mostrar titubeante. As poucas casas, feias, estavam claramente encerradas ao contacto com o exterior. Na humidade do dia chuvoso sentia-se tensão. No silêncio cheirava-se o medo. Não percebia como podia o seu colega viver num sítio assim.
Aproximou-se do novo cruzamento e rodou para a esquerda. à sua frente uma azinhaga, com vegetação abundante caindo sobre os muros altos. A iluminação pública estava ainda apagada, mas a luz do dia era já muito fraca. Os faróis do BMW iluminaram a faixa que se expunha, esburacada.
"Siga mais 400 metros e vire à esquerda."
Cumpriu a ordem, devagar, imaginando o momento em que seria forçado a parar por salteadores e despojado de todos os bens, quem sabe se da vida também.
"Vire à esquerda agora. Chegou ao seu destino."
Ali não havia nada. A rua continuava, mas não tinha uma única casa, só campos vazios, alguns arbustos, poucas árvores.
Não podia parar ali. Não iria parar ali. Não queria parar ali.
Através do sistema mãos livres mandou o telefone chamar o seu colega. A resposta foi o sinal indicativo de que não tinha rede. Estava no meio do nada.
Um clarão iluminou o interior do seu veículo quando uma carrinha apareceu por trás, vinda do nada. Acelerou, mas os solavancos provocados pelos buracos cada vez maiores obrigaram-no a reduzir a marcha, temendo avariar o veículo criado para pavimentos mais regulares. De imediato a carrinha se colocou a seu lado. Pelo canto do olho viu uma figura esticar-se pela janela acenando-lhe. Não tinha como evitar e encarou o homem de chapéu vermelho e bigode farto. Percebeu claramente a ordem para parar. Rendeu-se e assim o fez, preparado para o pior.
Valeu-lhe o aviso pois adiante uma parte da estrada desmoronara com as chuvas daquela madrugada. Conhecedores da zona, o homem de bigode e a sua filha que conduzia a carrinha enlameada, conseguiram dar-lhe indicações para voltar à estrada principal e alcançar a terra seguinte onde, possivelmente o seu colega viveria.
O GPS, esse mentiroso, foi desligado e nunca mais Horácio confiou em indicações electrónicas traduzidas por vozes maviosas.
1 comentário:
sábio Horácio. Faz-me lembrar aquele filme - Contraluz - em que o Joaquim de Almeida se vai suicidar no meio do deserto junto ao carro e o gps avisa "Faça inversão de marcha. Está na rota errada para o seu destino."
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