Feitas as contas, dava para mais de dez meses. Entre aquilo que lhe pagaram como indemnização, o que guardava no banco e o subsídio de desemprego, dava para mais de dez meses. Ela não precisava de se preocupar. Quando tivesse outro emprego dizia-lhe e tudo estaria bem pois nunca ela temeria perder a casa, ficar na rua, cair em falta perante todos os que a conheciam.
Bastava nada dizer. Não seria mentir-lhe. Sair todos os dias de casa às oito e meia da manhã, como fizera nos últimos doze anos, e voltar depois das seis da tarde. Estaria cansado e nunca falaria do emprego, tal como nunca o fez desde que se casaram. O emprego jamais entrara pela porta de casa. Só o salário.
O plano era bom. A execução não tinha mais do que uma dificuldade. E essa nunca conseguiu superar. Um ano e meio depois, quando esgotou os últimos cêntimos da conta, caiu finalmente na realidade que negara. Um ano e meio depois ainda não tinha emprego e aos cinquenta e um anos percebeu que ninguém lho daria, especialmente com as parcas habilitações profissionais que tinha.
Ela ainda não sabia. Nem queria saber. E ele não queria ver a desilusão no seu olhar quando a ilusão caísse. Quando lhe dissesse que não tinha mais nada, que não havia forma de ganhar dinheiro. Que teriam que vender a casa, pagar o resto do empréstimo e, com o remanescente, sobreviver o melhor possível, em local e por tempo a determinar.
Não conseguia revelar a mentira.
Foi por isso que meteu o cano na boca e esmagou o gatilho.
Sem comentários:
Enviar um comentário