11.3.13

Fósforo ou isqueiro

Cheirou-o suavemente, inspirando com cuidado os aromas fortes, amadeirados, adocicados... Depois, apertou-o com suavidade entre os lábios e levou as mãos aos bolsos onde encontrou o isqueiro. O som metálico, inconfundível, da tampa a abrir, o raspar da pederneira, a antecipação das primeiras fumaças. Infelizmente o acendedor não quis colaborar e foi da forma mais frustrante que informou que já não carregava gasolina nas suas entranhas.
Com tremuras perante tamanho insucesso buscou nas gavetas da secretária um fósforo, um Bic, qualquer coisa que o ajudasse a incendiar a cigarrilha meio desprendida dos seus lábios. Nada encontrou, resposta que sabia de antemão mas que procurou contrariar. Olhou para o relógio e viu que lhe faltava menos de duas horas para entregar o texto que ainda procurava o caminho para a página branca que faltava preencher.
Havia tempo. Havia tempo para ir em busca de lume.
Saiu porta fora para encontrar o elevador parado em manutenção. Não era isso que o iria deter, e incapaz de sobreviver sem aquele fumo enxameando os seus pulmões, lançou-se às escadas que o separavam, dali do quinto andar ao rés-do-chão.
Na rua não se via quase ninguém. E cada vez menos se encontrava alguém com sinais de ser fumador. Os seus comparsas eram menos e menos, uma minoria malvista a lutar contra a segregação. Caminhou até ao café mais perto, a dois quarteirões dali. Lá haveria fumadores.
Venceu o frio, a chuva miudinha, o desagradável vento e chegou ao destino onde um casal salvador se acoitava como podia à porta do café, para poder fumar os seus cigarros. Pediu-lhes lume.
O som do riscar do fósforo na lixa da carteira obliterou tudo o mais que acontecia naquela cidade. Só a cabeça do fósforo a ferver, a queimar, combustão avermelhada e branca. Depois a fina madeira a consumir-se enquanto acendia a cigarrilha.
As primeiras baforadas de imediato o acalmaram. Fechou os olhos e sentiu o coração a abrandar, inebriado pelo doce sabor baunilhado da folha de tabaco. Agradeceu o empurrão e iniciou o caminho de regresso ao escritório. Dava passadas lentas afeiçoando a distância ao tempo de consumo daquele tabaco doce.
Só quando ia a meio das escadas se lembrou que não comprara fósforos ou isqueiro.
Daqui a meia hora voltaria ao mesmo. A mesma rua, o mesmo mau tempo, o mesmo café, outra pessoa. 
Fósforo ou isqueiro, alguém o ajudaria.

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