23.3.13

A prazo

Tudo começou com uma pequena mentira.
"Não vou já para casa, está bem? Encontrei uns colegas antigos e decidimos ir jantar e beber um copo."
Ela nem se aborreceu, pois precisava de um tempo só para si, sem o ter a cirandar lá por casa.
Não havia amigos nenhuns. Havia Paula, que conhecera uma horas antes, mas da qual tinha a estranha sensação de a conhecer de há muito tempo. Quando se falaram, a dada altura partilhou essa impressão. Ela retorquiu que tinha o mesmo sentimento. Mas, ao compararem percursos de vida rapidamente perceberam que não havia pontos de contacto. Decerto não se tinham cruzado antes. Pelo menos com a profundidade que a estranha sensação de reconhecimento indicava.
Depois arranjou aquela desculpa e foi jantar com ela. Sem alguma vez lhe dizer que estava casado. Ou que a mulher, grávida de seis meses, ficara em casa a cuidar de si. Sem deixar de devolver os olhares, os sorrisos, os toques que alimentavam o jogo da sedução.
Foi Paula quem primeiro avançou e o beijou intensamente. Não se fez rogado e devolveu o beijo. Agarrou-a e em menos de um fósforo estavam em casa dela enrolados em emotivas exibições de prazer.
A partir de então ficou dividido entre dois mundos. Nunca tivera tamanha abundância e não queria ceder nenhuma. Não lhe passava pela cabeça afastar-se da mulher que amava e do primeiro filho que vinha a caminho. Mas não queria largar aquela outra mulher, autêntico suplemento para o seu ego, tamanha era a dedicação com a qual se lhe entregava. 
Por outro lado, sabia que não seria fácil afastar-se dela, já que dera a entender ser uma mulher obstinada e nada habituada a ceder naquilo que queria. E, agora, queria-o.
Tudo começou com uma pequena mentira e, rapidamente, tudo se tornou numa grande mentira. Toda a sua vida passou a ser composta por desculpas, subterfúgios, evasivas. De um momento para o outro, deixou de viver para apenas sobreviver. A prazo. Pois estava cada vez mais seguro de que aquilo não iria terminar bem para ninguém.

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