13.3.13

Culpa

Sentado ao computador, uma inquietação minava a dedicação ao trabalho que tinha que concluir rapidamente. A cada frase que escrevia deixava o olhar fugir da pantalha e perder-se à volta, procurando aquilo que sabia não ir encontrar.
O desconforto acumulou-se até que teve que largou as teclas e se levantou da confortável cadeira onde diariamente se entregava ao esforço criativo. Percorreu o corredor até à cozinha e abriu de par em par duas portas  do armário. Latas de sardinhas, de atum, de feijão, de grão, tomate. Os frascos de massas, farinhas, açúcar. Azeites, vinagres. Pão. Tostas. Chás. Cafés. Nada.
Fechou as duas portas e abriu o frigorífico. O espaço livre era desolador, e pouco do que via era, sequer, comestível.
Abriu a gaveta onde costumava guardar algumas reservas para um dia mau. Nada.
Voltou para o computador e sentou-se. Releu o último parágrafo, levantou as mãos e retomou o monótono batimento das teclas.
Nem meia página tinha escrito, e já as pernas o levantaram e levaram de volta à cozinha. Olhou novamente, desalentado, para os mesmos lugares. Naqueles cinco minutos nada tinha aparecido, por milagre, para satisfazer a sua necessidade.
Cabisbaixo, ausente, atravessou o corredor até se sentar para mais umas linhas. Eram cada vez menos as que conseguia escrever. Olhou para o relógio e decidiu-se, saltando da cadeira como se esta tivesse uma mola. 
Pegou no casaco, abriu a porta e saiu para a rua. Estava sol, mas frio, muito por culpa do vento cortante que vinha da montanha. Caminhou cinco minutos até ao Lidl, onde sabia poder abastecer-se. 
Regressou satisfeito, com o saco cheio de chocolates. Não seriam os melhores, é certo, mas a relação qualidade/preço  era perfeitamente adequada. Já sabia que iria comer compulsivamente os primeiros, ficar enjoado com os segundos e terminar arrependido e com enorme sentimento de culpa ao engolir os terceiros. 
Possivelmente ficaria uns dias sem poder ver chocolate. Mas nunca seriam muitos. Por agora estava seguro de que conseguiria acabar a crónica nas duas horas que lhe restavam.

2 comentários:

Ouriço-Cacheiro disse...

Adorei. E realmente um excelente combustível para a criatividade ;-)

Ouriço-Cacheiro disse...

Adorei. E realmente um excelente combustível para a criatividade ;-)