“Claro que sei do que estou a falar!”, respondeu com indignação. Sabia que mais do estar seguro, precisava de se mostrar seguro.
“É que não parece nada”, contrapôs o Presidente. “Quando o chamámos cá, foi na convicção de que poderia responder com clareza às nossas perguntas e oferecer-nos uma solução rápida, eficaz e, sem dúvida, prática”, continuou, contraindo a face cada vez mais vermelha. O tom era ríspido e o volume elevou-se revelando a perda de paciência.
Quando findou, as palavras restaram ecoando pela ampla sala, dando lugar a um silêncio que foi ganhando espessura, aumentando a tensão enquanto pensava na resposta a dar. Mais seis olhares assentavam em si não o ajudando na tarefa. Julgava que ia ser tudo tão mais fácil, e contudo… As suas linhas de raciocínio tinham ficado tão embrulhadas que não sabia por onde começar. Consequentemente, ia antevendo um futuro negro, à mercê da ira do Presidente.
A ampla janela exibia o azul do céu, inspirador, assim como o reconfortante relvado, fofo e apelativo, e foi olhando para lá que encontrou os primeiros passos para a segurança da terra firme. “Não sei como nasceu essa ideia de que eu não sei o que estou a fazer”, começou contra-atacando, tal como o cão encurralado que ataca tudo o que dele se aproxima. “Antes diria que vocês é que não sabem o que estão a fazer, senão não me chamariam para limpar esta trampa toda”.
O Presidente corou ainda mais, parecendo que poderia rebentar com um massivo ataque de coração, um AVC fulminante, ou mesmo explodir numa fonte de sangue.
“Aliás, enquanto não vir o dinheiro, não vos dou, sequer, alguma dica”, adiantou ganhando algum tempo. Não muito, pois de imediato lhe abriram uma mala com vários montes de notas cintadas, permitindo calcular os quinhentos mil euros que lhe tinham prometido.
Tendo recuperado o alento, o Presidente retorquiu. “Tem aí o dinheiro. E se tem bem presente, nós chamámos foi o Xavier, e é a ele que estamos habituados a pagar tanto dinheiro”. Perante o seu encolher de ombros, o Presidente voltou à carga. “Relembre-nos lá porque haveremos de lhe pagar tanto como ao Xavier, e porque não veio ele desta vez”.
A pergunta não podia ter caído melhor, pois estudara o guião a partir dela. Vai daí, ligou o piloto automático da resposta tentando reagir com todas as ferramentas ao seu dispor para enfrentar a situação em que se encontrava. “O Xavier está ocupado, respondendo a uma emergência ainda maior. Eu sou o seu pupilo e em breve serei eu a responder a todos os apelos pois o Xavier está a sentir-se velho para isto. O que é compreensível, pois trinta anos a limpar o lixo dos outros é muito ano”.
“E porque nunca ouvi eu falar de si?”
“Porque eu sou bom a fazer o trabalho. O Xavier ensinou-me bem e temo dizer que, actualmente, sou já melhor do que ele. Bom…, apenas porque ele já deixa o peso dos anos reflectir-se no trabalho”.
“Então, qual é a saída?”
“Em primeiro lugar, vou ao carro buscar umas roupas para todos vós, pois parecem saídos de um matadouro, ou de um talho…” Fez uma pausa, sorrindo largo, para continuar. “E não é que estão mesmo num talho que virou matadouro?” O humor não atingiu nenhum dos sete homens, ainda mal convencidos e preocupados com o futuro imediato. “Depois”, continuou, “saem daqui nos vossos carros e vão para longe, de preferência para sítios diferentes. Não falam ou interagem com ninguém, não passam em portagens, escolhem estradas pouco movimentadas e vão para junto de alguém que possa atestar que esteve convosco nas duas últimas horas. Não usam o telemóvel. Acima de tudo, não usam o telemóvel. E não falam com ninguém sobre o que se passou aqui. Nem entre vós para que ninguém vos oiça”.
“E o corpo?”
“Eu trato do corpo, como sempre o Xavier tratou. Mais descansados?”
O silêncio foi o melhor assentimento.
Calmamente, pegou na mala com o dinheiro e dirigiu-se para a saída. “Vou buscar-vos roupa”. Caminhou sem pressas, mas com toda a determinação do mundo, saindo do talho e aproximando-se do automóvel que estava ao virar da esquina. Abriu as portas, sentou-se ao volante e arrancou sem pressas, para depois acelerar pelas ruas em direcção à auto-estrada.
Qual corpo, qual carapuça. Na mala do carro já estava Xavier, com um saco plástico na cabeça, não deixando espaço para mais ninguém. E ao contrário do desgraçado que estava na câmara frigorífica pendurado junto às carcaças das reses já desmanchadas, Xavier não lhe sujaria o carro de aluguer.
O dia que começara diabolicamente mal com o excesso de Xavier que o levou até à bagageira, estava a acabar em grande. Com aquele dinheiro começaria a vida noutro lugar qualquer. Seria fácil mudar de visual, já que a sua verdadeira identidade ficara à distância dos bandidos.
Triste ficou quando, no quarto de um hotel espanhol, rompeu as cintas para verificar que entre algumas notas verdadeiras estavam cópias grosseiras, impossíveis de usar. Ficou igualmente irritado pela falta de honestidade daqueles bandidos que lhe mentiram e o enganaram como a um qualquer principiante que vê demasiados filmes.
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