15.3.13

Probabilidades

À volta da mesa seis pares de olhos concentravam-se sobre si. Era o centro das atenções, sabia-o, e isso não o ajudava em nada. Tinha que tomar uma decisão e não conseguia alinhavar um pensamento coerente e seguro.
Segurava o futuro nas mãos, mas não tinha a certeza de querer pô-lo à prova. Estava tanto em jogo...
Daquelas seis pessoas só conhecia duas, e não eram propriamente amigos do peito. Um deles estava tão ou mais desgraçado que ele, enquanto o outro era o portador da desgraça.
Olhou de novo a mesa. Ergueu o olhar e através da cortina de fumo que pairava no ar e procurou na cara de cada um deles um sinal, uma ajuda. Não teve sucesso na busca.
Imediatamente à sua esquerda estava Horácio. Não sabia o apelido dele assim como o de qualquer um dos outros. Também nenhum deles sonharia que o seu era Calado, curiosamente fazendo jus à sua maneira de ser.
Horácio tinha um grave problema de obesidade. E também de falta de higiene. Ao fim de quatro horas ali sentados, começava a ignorar o aroma a cominhos que o fato de treino pleno de fibras sintéticas, e ostentando o emblema do Belenenses, já tinha entranhado. Acima das bochechas gordas de Horácio uns óculos escuros redondos, muito pequenos, cumpriam a sua função, não lhe permitindo escrutinar o seu olhar. Mas conseguia ver as gotas de suor a acumular na careca, deixando perceber a tensão que o assolava.
Seguia-se o Henrique. Já o conhecia havia três anos. Era quem organizava estas sessões, e mais do que uma vez o tinha financiado, cobrando juros alarmantes. Também ele escondia o olhar nuns cerrados óculos negros, envergando um boné com pala grande para os sombrear.
Pietra devia o seu nome ao jogador de futebol que o seu pai tanto idolatrara. Hoje o nome era uma chaga no coração daquele homem enfezado, que nem sequer gostava de futebol. Era o único sem óculos, apenas porque deles não precisava. Qualquer que fosse o andamento da coisa, mostrava-se totalmente indiferente, com o olhar vazio como se lhe tivessem congelado as emoções.
Aristides fumava um charuto, mordendo-o de forma que expunha a boca num esgar permanente exibindo os dentes amarelos. Os seus óculos de sol eram espelhados pelo que evitava olhá-lo, com  medo de se ver reflectido e distrair-se.
Pepe era um catalão que estava nisto pela primeira vez. Tinha vindo a boleia de Carlitos, o homem à sua direita, colega de trabalho no El Corte Inglès. O primeiro tinha barba e coçava-a constantemente. Era difícil perceber a sua mente, mas desta vez já não contava, pois tinha passado ao largo. Já o segundo, pela respiração acelerada que tentava esconder, tudo fazia para segurar o bluff.
Espreitou de novo a sua mão para perceber que nada mudara. Tinha uma sequência, mas as cinco cartas no meio da mesa permitiam tantas combinações potencialmente vencedoras que não estava minimamente seguro do seu sucesso. 
E não conseguia calcular quaisquer probabilidades...

Nesse dia apostou tudo o que tinha para ficar com nada. Mas mesmo assim não deixou de jogar. Não conseguia parar. E enquanto teve quem o financiasse... continuou.
A última vez que jogou póquer foi no dia em que o encontraram, feito em papa no fundo de uma falésia, já o mar o tentava alcançar.

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