Quarenta anos. Um pouco desgastados. Cabelos compridos, claros. Óculos. Uma pintura barroca. O decote, pronunciado, revelava uns seios descaídos, afastados. A mini-saia vermelha era um chamariz para as compridas e magras pernas que se equilibravam nos finos saltos altos dos sapatos de verniz igualmente vermelhos. Só tinha um pequeno saco desportivo, bem cheio. E uma carteira preta, coçada.
Ele vestia um amarrotado fato esverdeado. A gravata era feia e o nó estava lasso, o colarinho desapertado. Também nos quarenta, ainda tinha muito cabelo, apesar da ameaça de duas entradas. Por enquanto escapava às cãs. Estava mesmo atrás dela, na fila das bilheteiras.
A nota de dez contos escapou-se da mão dela, caindo. Baixou-se devagar, sem reparar que, mantendo esticadas as longas pernas, a saia subia, subia, subia. Eu também lhe vi as cuecas de renda preta. O homem atrás dela sentiu um desejo enorme de a agarrar, apalpar, possuir. Numa fracção de segundo passaram-lhe pela cabeça mil e um cenários anti-sociais. O condicionamento a que todos nós somos sujeito evitou que se mexesse. Só os olhos devoraram a visão que o excitou.
Depois de comprar o bilhete ela virou-se pelo lado errado e embateu nele. Sentiu-lhe o cheiro, o peito largo, a mão que lhe amparou o desequilíbrio. Olhou-o rapidamente e partiu. Partiu com o desejo de ir para a cama com aquele homem. Nada de sentimentos. Só sexo. Só sentir-se desejada. Possuída. Só ultrapassar as dúvidas que a idade lhe trazia.
Quando o comboio partiu ambos ocupavam o mesmo compartimento para a longa viagem.
Sozinhos.