19.1.05

URGÊNCIA


Estou bêbado.
Sentado no muro de uma casa que desconheço, rodeado por gente que desconheço. A noite está quente. Desconfortável mesmo, de tão abafada. Nem uma brisa se sente. O céu estrelado é um deslumbramento.
A garrafa de litro de cerveja que tenho na mão já há muito perdeu a frescura, mas insisto em consumi-la, como se a minha vida dependesse dos tragos que a espaços vou dando. Olho em busca do Eduardo que me arrastou para a festa e não o vejo. Procuro o meu irmão Beto, que ficou de aparecer, e constato a sua ausência. Sinto-me perdido.
No espaço que medeia entre a casa e este muro estão dois tipos a jogar "à bola" com um garrafão plástico de água. Em tempos ali terá sido o jardim, mas agora não passa de um terreiro. Sentados ao meu redor, personagens que hoje me apresentaram mas que por completo desconheço, falam com fervor sobre a relação do dono da casa com a Patrícia, mais uma ilustre desconhecida.
Meu Deus!, como vim parar a esta situação? Bebo mais um gole de cerveja quente.
Oiço gritos, e do outro lado da estrada vejo alguém aos pontapés a uma árvore. Rejeição de amores... sussurram aqueles que me rodeiam. Por ele passa outro indivíduo cambaleante, numa postura curvada que diz "- Caga nisso!", e prossegue em direcção ao terreiro onde a partida de futegarrafão continua. Senta-se mesmo no meio do campo e não tarda a levar com o garrafão na cabeça, após um chuto violento. Cai para o lado, imóvel, e o jogo nem chega a ser interrompido.
Um automóvel estaciona e do seu interior emergem dois casais embriagados e pouco faladores. Elas juntam-se ao grupo que me rodeia, eles caminham estrada abaixo resmungando e aspirando furiosamente os cigarros acesos.
"- Alguém tem tabaco?", pergunta uma das recém-chegadas. Respondem dois cigarros que lhes chegam às mãos. Oiço uma pergunta "– Que foi?".
"- As merdas do costume." Desconheço as "merdas do costume", pelo que fico na mesma. O grupo, porém, exsuda compreensão.
Vindos da casa iluminada, dois tipos surgem correndo, afogueados.
"- Pá, a Cláudia está perdida de bêbeda na cama, toda nua! ... Quem quer vir ver?"
Todos os rapazes que ali se encontravam, incluindo os desportistas do garrafão e exceptuando o caído no terreiro, disparam atrás daqueles dois na esperança de, amanhã, poderem dizer "- Eu vi a Cláudia nua". As raparigas aceleram no seu encalço procurando salvaguardar a integridade da amiga que, escusado será dizer, desconheço.
Num ápice, fico sozinho.
É então que toca o telemóvel guardado no bolso. Atendo e troco breves palavras com Carolina, alguém que no momento se apresenta. Vinha com o Beto quando o acidente ocorreu. Aparentemente o meu irmão mais novo fumou e bebeu demasiado. Acabou de encontro a um poste de iluminação quando, apesar da curva na estrada, decidiu conduzir o carro a direito.
De um momento para o outro tenho que ficar sóbrio. Lanço por cima do ombro a garrafa que ainda segurava e caminho para o automóvel. Com a chave do carro na mão penso duas vezes e chamo um táxi. Beto está no hospital e precisa de mim.

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