18.1.05

ANDORINHAS

Trabalhava no oitavo andar de um antigo prédio com janelas amplas. O dia, de sol firme, trazia o calor da nova estação. Afastada a invernia, as pessoas reluziam, libertas dos abafos e expondo as peles claras, desde logo buscando a coloração dourada que substituiria o ar doentio e macilento que ostentaram durante o Inverno.
Junto à janela, os olhos de P. apenas viam as andorinhas que, no ar abaixo da janela, voavam alegres, no afã da construção e reconstrução dos ninhos nos beirais, bem como na perseguição aos incautos insectos que zuniam distraidamente.
A cabeça de P. movimentava-se tentando acompanhar o voo de uma ou outra das aves brancas e negras. Havia já largos minutos que ali estava. Ali ficou minutos sem fim.
Até que, sem que nada o fizesse prever, sem hesitações ou demoras, ergueu a folha da janela de guilhotina e, com um pinote, ergueu-se no parapeito. Quando os colegas de trabalho olharam para o lado viram P. abrir os braços e deixar-se tombar, como se voasse no corpo de uma andorinha.
Nesse trágico dia, a infalível gravidade manteve-se inalterável e mais uma vez demonstrou que o Homem não se fez para voar sem auxílio de aparelhos.
Estrondosamente chegou ao passeio, perdendo o resto de uma promissora e inesquecível Primavera.

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