11.3.05

"Um Dia Acordei" (10 - epílogo)


SANTUÁRIO
Uma das coisas que sempre me impressionou nas igrejas foi o silêncio. Em especial nas antigas, construídas noutros séculos a mando de reis a Deus tementes. Mais, se foram bem construídas, a maioria dessas tem um jogo de luzes que aquece o coração, desperta a alma e alimenta a fé.

Até mesmo os ateus ou agnósticos não podem ficar imunes ao calor que a luz transporta uma vez atravessados os vitrais. Com uma nave alta, em pedra erguida, não fica gélida desde que o astro-rei faça um dos seus raios cruzar um vitral.

E o silêncio.

Podemos não ligar ao Deus dos católicos... Mas se queremos um momento connosco, uns instantes de sossego introspectivo, encontrá-lo-emos num banco de igreja. Aí podemos contemplar a grandeza do nosso espírito, a entrega dos outros que aquelas paredes ergueram, o poder que um deus tem. E podemos pensar. Pensar enquanto vemos imagens de santos, gente que sofreu pelos outros ou que aos outros trouxe bem. Imagens de Cristo no Seu calvário, a bem da raça humana. Que desperdício, Jesus, que o Homem não merece que nada nem ninguém por ele se sacrifique. O que dizem ser Teu Pai disso tinha obrigação de saber, Ele que tudo sabe. Foi cruel deixar-te pendurado em duas travessas cruzadas. Mas também foi cruel para os outros milhares que o mesmo destino tiveram e dos quais não reza a História. E os que anterior e posteriormente sofreram as consequências da prepotência dos outros.

Aqui onde estou vejo com clareza os vitrais que rodeiam a nave. Em todos eles está uma das etapas desse calvário, passos que todos os anos o Papa repete numa cerimónia, conforme a saúde lho permite. São imagens estilizadas à luz dos conceitos de outros séculos. São figuras de várias cores construídas, que evoluem até à ressurreição. Não me dizem muito, mas dizem-me muito mais do que há alguns anos atrás.

Criei este hábito de fugir para as igrejas. Fugir e contemplar. Pensar. Aos poucos construí a minha filosofia, a minha religião. Retirei deste ambiente um modo de ser. Não consegui, porém, suportar aqueles que aqui exercem o seu mister, aqueles que velam pelo templo e o usam para transmitir a dita Palavra.

Que refúgio poderia eu encontrar aqui? Desde que me abandonaste que fugi à sociedade. Deixei de ter amigos, deixei de sair com alguém. Felizmente a profissão permitia a solidão. Os restantes momentos vivia-os comigo.

Sonhava que voltarias...

Sonhava que verias o erro e tentarias emendar o passo em falso.

Sabia-te infeliz...

Sabia-me infeliz.

Mas depois ouvi dizer, contaram-me, do acidente. Doeu. Doeu saber que, ainda que o quisesses, não poderias regressar. Não poderíamos ser um outra vez.

Foi então que comecei a procurar o silêncio das igrejas. Porque é diferente. Poderoso. O silêncio lá em casa tende a ser deprimente. Aqui não, é sinónimo de respeito, de poder, de crença. Fé.

Tive que descobrir a Fé. Não me interessava a das religiões instituídas. São tantas que nada me garantia que alguma estivesse certa. A minha Fé. Foi essa que procurei. Procurei acreditar que estarias, algures, à minha espera. Que quando estivesse tudo preparado iria ter contigo e juntos continuaríamos o que ficou por acabar cá na terra.

Hoje, vinte anos depois, estou aqui. Já nem tenho o consolo profissional para ocupar algumas das horas diárias, pois é regra que quem tem mais de 65 anos já não deve fazer nada que não seja ser mantido, sustentado, à custa daqueles que ainda laboram. Hoje, sinto que as coisas estão quase preparadas. Sinto que falta pouco para te reencontrar.

Como sonhei com esse momento. Como sonho. Como acredito. É esta fé que vai tornar o sonho realidade.

Até já, meu amor.

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