18.3.05

"Vidas" (4)


BOLA

O estádio encontrava-se cheio que nem um ovo. Não havia memória de tanta gente alguma vez ter assistido a uma partida assim. Provavelmente o clube anfitrião viria a ser sancionado posto que, era uma certeza, entrara mais gente do que a permitida para estes jogos internacionais.

Sob o olhar daqueles milhares de pessoas os artistas empregavam o seu suor, uns mais serenamente que outros, tentando fazer aquilo para que eram pagos. O futebol que se jogava dava espectáculo, e nem um ou outro lance mais polémico chegava para manchar a festa.

Quase no fim da partida, sentindo uma inspiração pouco natural, o jogador de futebol recolheu a bola à saída da grande área, logo após um pontapé de canto mal marcado pelos adversários, e iniciou o contra-ataque. Disparou que nem uma flecha sentindo-se empurrado pelo coro eufórico da multidão. Junto ao relvado distinguiu a voz rouca do Mister, já cansado de tanto gritar, incitando-o para a baliza contrária.

Com um magnífico golpe de rins ultrapassou o primeiro que se lhe atravessou no caminho. Com um salto espantoso evitou o "carrinho" que o quis derrubar. E continuou a perseguir o esférico. Levantando a cabeça viu aproximar-se com um ar determinadíssimo o defesa central mais conceituado de sempre. Tinha fogo no olhos. Os longos cabelos que saltavam enquanto corria tornavam-no ainda mais ameaçador.

Apesar de seguir muito depressa, ainda conseguiu mais uma mudança de velocidade e, lançando a bola pela esquerda, correu pela direita do adversário e chegou lá primeiro. Nesta altura só enorme o guarda-redes se encontrava entre ele e o golo. Por entre a respiração pesada que o esforço lhe impunha, ouviu os gritos de glória daquela multidão. Sentiu o rumor que, jurava, fizera tremer até o relvado. Apesar das queixas dos músculos foi clarividente, e num passe de magia deixou o gigante enluvado estendido no verde tapete, prosseguindo, imparável, a corrida para as redes.

A cinco metros da baliza, vindo ligeiramente da direita, chutou violentamente, com a alegria de quem seria eleito o homem do jogo. Já se via nos jornais. Imaginava as vezes que as imagens daquele sprint iriam passar na televisão.

A bola partiu, célere, e atingiu com um estrondo a base do poste, sendo rechaçada exactamente para o sítio de onde partira, embatendo nos pés do jogador que a chutara. Lançado que vinha na corrida, o jogador tropeçou, caiu para a frente e bateu com a cabeça no poste. Sangue encontrou o caminho do ar, vindo assistir ao resto da partida.

O jogador de futebol morreu quase de imediato, com um forte traumatismo craniano.

A sua equipa perdeu 1 - 0.

O empate bastava para passar a eliminatória.

Os fans nunca lhe perdoaram.

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