CASTIGO
Lá fora chovia. O dia, negro como a minha alma, arrastava os trovões que de longe ecoavam. Lentamente, respondi à chamada e caminhei para o cadafalso envolto num manto de dor que me oprimia a existência terminal.
Vi a corda a balançar lá fora, através de uma janela gradeada. Crime e Castigo.
O corredor era largo. Velhos candeeiros em forma de prato da sopa iluminavam a espaços os meus passos inseguros. O silêncio era apenas violado pelo patear de um condenado e de dois guardas maiores do que ele, bem como pela água da chuva a cair e a correr pelas telhas negras do edifício urbanóide. De tempos a tempos, um trovão.
Recordei o meu último desejo: o Requiem de Mozart.
Agora não havia mais palavras. Cada um sabia o que fazer, gestos treinados por milhares de execuções pretéritas. Todos nós sabíamos exactamente o que ia acontecer. Subi para o cadafalso, a corda foi ajustada ao pescoço, o nó junto à orelha esquerda. Recusei a venda.
Sem delongas, o carrasco puxou a alavanca. Num momento, o alçapão abriu um vazio sob os meus pés. Senti a injecção e simultaneamente ouvi o tiro. A descarga eléctrica penetrou o corpo incendiando a fogueira inquisitória. O gás de cianeto subiu às narinas enquanto a lâmina desceu célere sobre o meu pescoço. O apedrejamento continuou enquanto asfixiava pregado à cruz. Submerso, esquartejado, gritei.
O Requiem terminou.
Lá fora chovia. O dia, negro como a minha alma, arrastava os trovões que de longe ecoavam. Lentamente, respondi à chamada e caminhei para o cadafalso envolto num manto de dor que me oprimia a existência terminal.
Vi a corda a balançar lá fora, através de uma janela gradeada. Crime e Castigo.
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