Vou descansar por uns dias. Aquele descanso das festas, com o stress das prendas e da festa de ano novo, tudo com muita comida, até enjoar.
-
Volto para o ano.
Até lá
UM FELIZ NATAL E UM ÓPTIMO ANO DE 2006
23.12.05
20.12.05
Carta ao Pai Natal
À beira de chegar à mágica noite de 24 para 25 de Dezembro, decidi tornar pública a minha carta ao Pai Natal. Fui modesto e apenas pedi cinco prendas. A ver se ele consegue enfiar no saco tudo o que pedi.
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Começo pela mais fácil de arranjar. É uma peça quase de arqueologia, e destina-se a assegurar o meu trabalho numa arte antiga e a cair, rapidamente, em desuso.
Falo de um
ampliador para fotografia argêntica, clássica, a preto e branco.
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Já preparado para abraçar novas tecnologias, peço igualmente ao Pai Natal a magnífica
Canon EOS 5 D. Como sei que a câmara é recente, e pode ter dificuldade em arranjá-la em cima da hora, sou modesto e contento-me com a
Canon EOS 20 D.
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Mas ter uma máquina destas sem poder trabalhar decentemente as fotografia captadas é insustentável. Assim, o Pai Natal pode trazer igualmente o
iMac G5 de 20".
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Para terminar, peço uma coisita mais difícil de enfiar no saco ou pela chaminé abaixo. Mas pode deixá-lo na rua, à porta, que eu não me importo. Desde que me entregue as chaves e os documentos, traga lá o
Aston Martin DB9.
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Como vêem, sou modesto. Num mundo em que as crianças recebem toneladas de brinquedos, de tão baratos que agora estão, porque não me dão estes brinquedos também? É que não tenham qualquer dúvida: só desejo estas coisitas por serem autênticos brinquedos.
Aqui entre nós, acho que o Pai Natal só traz a primeira... Menos mal.
Continuem a desejar e acreditar... pode sempre sair o Euromilhões ;oD
19.12.05
Sim, senhor Presidente
A pré-campanha para as eleições presidenciais de Janeiro está lançada, avança em ritmo de cruzeiro, e já chateia.
Sinto que a grande maioria dos portugueses está indiferente às diatribes dos candidatos, ocupado a fazer contas ao dinheiro que pode gastar em prendas de Natal. Os debates sucedem-se mornos, numa cadência diária, e nada de novo trazem. À falta de episódios marcantes que usualmente saíam da excitação do momento quando os candidatos se subrepunham uns aos outros, se interrompiam e perdiam a paciência, temos agora debates que são uma colagem de declarações em ritmo de ping-pong, sem chama de tão medidas, estudadas, ensaiadas, falseadas que são.
As sondagens aquecem a luta fraticida entre os socialistas e enchem de confiança Cavaco, que já começa a pensar nas novas cortinas para o Palácio de Belém. Os cartazes evidenciam o actual mau gosto e vazio das campanhas. Caramba, até eu conseguiria fotografar os candidatos com mais naturalidade e vida... eles que parecem robots desajeitados.
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Não tinha idade para votar quando Soares defrontou Freitas para as presidenciais. Recordo-me da sala de aulas naquele 8º anos estar dividida entre miúdos de esquerda e de direita. Dos de direita passearem arrogância convictos da vitória, e esconderem o amuo após a derrota. Se então votasse teria entregue o meu voto a Soares, seguro de que Freitas poderia questionar as conquistas de Abril (assim sentia eu, com 13 anos).
Hoje, não sei, nem quero adivinhar, se Cavaco alcança uma maioria plena à primeira volta. Seguramente ganhará a primeira volta, mas a dúvida está no resultado e na eventual necessidade de por uma segunda vez, fazer uma escolha eleitoral.
No caso de haver uma segunda volta, veria com prazer Manuel Alegre a defrontar Cavaco. Porque, acima de tudo, significaria que Soares tinnha ficado pelo caminho. Contudo, a verificar-se uma contenda Cavaco-Soares, por muito que me custasse entregar o meu voto àquele senhor com quem não simpatizo, seguramente votaria Cavaco. Porque por entre a sua posse confiante, os sound-bytes de Louçã e Jerónimo e o estilo desajeitado de Alegre, sinto uma plena intolerância ao discurso autista, presunçoso, alarmista, ácido, conflituoso e cheio de cumplicidades obscuras de Soares, cada vez mais a personificação do que não quero ver num político com responsabilidades de Estado.
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Neste momento, queria mesmo que acabassem as eleições, para ver se Soares desaparecia da TV, das rádios, dos jornais. E se reforma de vez.
15.12.05
"O Edifício da Verdade" (10)
Não parecia o mesmo quarto. Imaculado, nada fora do lugar. Nada de folhas espalhadas, nada de roupa suja, tudo arrumado. O sol já caminhava para Poente e entrava pela janela aberta que igualmente deixava o ar frio de uma Lisboa outonal inundar o quarto. Ao sol, de pé, com as mãos nos bolsos, cachecol ao pescoço, Vitor absorvia cada pormenor do que via. O pôr-do-sol era um dos momentos que mais o afectava. Adorava vê-lo. Adorava senti-lo.
O telefone tocou. Uma, duas, cinco vezes. De volta à realidade o escritor atendeu. Era Carlos Morais. Depois das banalidades do costume chegou ao assunto:
- Já está a imprimir. Foram rapidíssimos desta vez. Ainda sai a tempo do Natal. Vai ser um sucesso.
- Hum... é só?
- Estás bem?
- Sim, porque não haveria de estar?
- Sei lá, pareces distante. Porque não vens hoje à festa dos Junqueira?
- Só se for para me sentir mesmo mal...
- Faz um esforço. Pode ser que te ajude.
- Duvido.
- Em todo o caso lá te espero.
Despediram-se. Engoliu em seco. Também o seu editor se esquecera. Bolas!, fizera anos havia cinco dias, e nada... só duas pessoas se lembraram. Duas pessoas, uma garrafa de brandy e o resto de uma de vodka.
Diogo telefonou‑lhe. Deu‑lhe os parabéns, relembrou‑lhe as férias e desculpou‑se da pressa, mas tinha ali consigo uma estilista de quarenta anos que ansiava por si. Não podia demorar, frisou.
Paula telefonou‑lhe. Paula não o esquecia. Vitor foi sempre incapaz de lhe dar o que queria e merecia, mas nunca sentiu por ela o mesmo que Paula sentia por si. Se Vitor estendesse a mão, Paula viria. Mas o respeito que lhe tinha impedia‑o de a tratar assim. Ela, sempre que podia, estabelecia contacto com a sua voz quente e o toque macio. Mas Paula não era aquela que procurava. Faltava‑lhe a alegria, a autonomia que queria numa mulher. Não queria quem lhe dissesse sempre que sim. Queria alguém que lhe desse luta.
Viu as horas. Subitamente tomou uma decisão: sempre iria aos Junqueira. Talvez lá visse a Isabel. Aí o respeito não era barreira, e agora queria tê‑la na cama. Era quase uma questão de princípio, de teimosia, de birra. Criancice. Apontou para lá chegar depois da meia‑noite.
O telefone tocou. Uma, duas, cinco vezes. De volta à realidade o escritor atendeu. Era Carlos Morais. Depois das banalidades do costume chegou ao assunto:
- Já está a imprimir. Foram rapidíssimos desta vez. Ainda sai a tempo do Natal. Vai ser um sucesso.
- Hum... é só?
- Estás bem?
- Sim, porque não haveria de estar?
- Sei lá, pareces distante. Porque não vens hoje à festa dos Junqueira?
- Só se for para me sentir mesmo mal...
- Faz um esforço. Pode ser que te ajude.
- Duvido.
- Em todo o caso lá te espero.
Despediram-se. Engoliu em seco. Também o seu editor se esquecera. Bolas!, fizera anos havia cinco dias, e nada... só duas pessoas se lembraram. Duas pessoas, uma garrafa de brandy e o resto de uma de vodka.
Diogo telefonou‑lhe. Deu‑lhe os parabéns, relembrou‑lhe as férias e desculpou‑se da pressa, mas tinha ali consigo uma estilista de quarenta anos que ansiava por si. Não podia demorar, frisou.
Paula telefonou‑lhe. Paula não o esquecia. Vitor foi sempre incapaz de lhe dar o que queria e merecia, mas nunca sentiu por ela o mesmo que Paula sentia por si. Se Vitor estendesse a mão, Paula viria. Mas o respeito que lhe tinha impedia‑o de a tratar assim. Ela, sempre que podia, estabelecia contacto com a sua voz quente e o toque macio. Mas Paula não era aquela que procurava. Faltava‑lhe a alegria, a autonomia que queria numa mulher. Não queria quem lhe dissesse sempre que sim. Queria alguém que lhe desse luta.
Viu as horas. Subitamente tomou uma decisão: sempre iria aos Junqueira. Talvez lá visse a Isabel. Aí o respeito não era barreira, e agora queria tê‑la na cama. Era quase uma questão de princípio, de teimosia, de birra. Criancice. Apontou para lá chegar depois da meia‑noite.
12.12.05
Carta cor-de-rosa de sabor amargo
Fui ver o “Broken Flowers – Flores Partidas”, último filme de Jim Jarmush.
Atento o realizador já sabemos que não estamos perante um filme convencional. Sempre criador alternativo (veja-se “Café e Cigarros” ou o fabuloso “Dead Man”), Jarmush constrói uma história que mais não é que uma reflexão de um playboy que já não é jovem, e se vê perante a possibilidade de ser pai de um rapaz de 19 anos.
A história evolui mediante a pressão de um vizinho curioso, empenhado e amigo (Jeffrey Wright) e leva Don Johnston (Bill Murray) numa viagem em busca do passado por onde se cruza com algumas das suas relações de há vinte anos, interpretadas por actrizes como Sharon Stone, Frances Conroy, Tilda Swinton ou Jessica Lange.
Não se pense que o filme é previsível ou espectacular. Diria mais que é aconchegante, entrar no mundo deste homem
e ver os diferentes caminhos que aquelas mulheres seguiram, tão diferentes do seu… e no entanto… Tudo por causa de uma carta em papel cor-de-rosa, escrita com um travo de amargo.
Vale a pena ver. Porque é cinema bem feito.
9.12.05
Trabalho a sério
Segundo fez manchete há uns meses, e nunca vi desmentido, Scolari ganhará € 125.000,00 (*)por mês. Mais tem direito a viagens e estadias para ver jogar os jogadores portugueses.
Hoje é o sorteio dos grupos para o Mundial de Futebol de 2006. É importante, a ocasião, e o selecionador nacional vai estar presente.
Mas, sabem o que me deixa intrigado?
Quando Porto e Benfica jogaram na terça e na quarta-feira, Scolari não viu presencialmente tais jogos. Antes foi, logo na terça-feira, para a Alemanha. Com tudo pago, seguramente.
Quem viu o jogo na Luz, reparou que outro selecionador, Erikson, da Inglaterra, esteve a ver o jogo. Avaliou escolhas e fez o seu trabalho.
Scolari, pelos vistos, tem outra noção de trabalho a sério.
---
(*) Originalmente escrevi € 25.000,00. Fui corrigido e ainda bem. A minha memória foi enganada. Realmente, o que são cinco mil contos? Nada, para um seleccionador nacional. Viva a bola e os seus "orientados da vida"
7.12.05
"O Edifício da Verdade" (9)
Quando se encaminhavam para as escadas foram interceptados por Diogo e Marcello. O primeiro falou:
‑ Vitor, o Marcello vai‑se embora e leva‑me com ele. Queres aproveitar a boleia?
‑ Nós vamos, nós vamos... ‑ respondeu Isabel não permitindo que Vitor lhe negasse o convite, o que ia obviamente fazer. Depois de se entreolhar com o arquitecto, lá acedeu. Eram já quatro e meia da madrugada e sentia‑se cansado e excitado. Não era uma retirada daquelas o que tinha imaginado.
Entraram para o carro, um Audi A6 que respirava dinheiro dos contribuintes por todo o lado. O actual governo tratava bem os seus. Marcello ao volante, Diogo ao lado. No banco de trás, as explorações vão cada vez mais longe. Os dedos dele chegam à área restrita, massajando‑a para prazer da recém‑conhecida. Pela inércia sente que a condução é acelarada e brusca. Prefere ignorar o condutor.
Porém, a dada altura, algo passou pela cabeça de Isabel. Deixando‑se ficar nas mãos do mais que bêbado Vitor, começou a fazer festas no político. Passava‑lhe a mão pelo pescoço e esticava‑se para o beijar. Diogo olhou para trás e viu Vitor que com um ar derrotado, ergueu a mão livre esticando o dedo médio num bem medido gesto obsceno. Isabel libertou‑se dele, concentrando as suas energias no condutor. Este falou:
‑ Diogo, importas‑te de levar o carro?
‑ Como levar...?
‑ Quero ter as mãos livres. ‑ disse com uma gargalhada. Vitor olhou‑o com desdém. Diogo protestou argumentando com álcool que bebera. De nada valeu, perante a insitência de Marcelo pelo que acabou por aceder. Quando pararam para trocar de posições, Isabel agarrou a mão do escritor e voltou a pedir‑lhe desculpa, desta feita com um olhar de cão abandonado. Ele não respondeu e passou para a frente, ao lado do novo condutor.
‑ Queres ficar em minha casa? ‑ era Diogo quem convidava.
‑ Aceito! ‑ respondeu sem hesitações. - Quanto mais cedo sair daqui, melhor. ‑ lá atrás os vidros embaciavam e ouviam‑se gemidos.
‑ Uma fotografia agora seria bastante valiosa.
‑ Nem brinques, Diogo. ‑ foram as palavras do político.
O arquitecto vivia num prédio por si recuperado nas Avenidas Novas. Foi lá que pararam, saindo os quatro da viatura. Enquanto os outros se despediam, Isabel agarrou Vitor, beijou‑o, e disse:
‑ Desculpa... talvez para a próxima... Tu não merecias... Desculpa. Aparece na festa dos Junqueira. ‑ novo beijo e entrou para o banco da frente. Sem dizer nada a Marcello, o escritor entrou pela porta que se abria sendo recebido pela cadela do arquitecto que, agitando a cauda, se ofereceu às festas de Vitor.
‑ Não é caso para fazeres birra. ‑ afirmou o dono da casa enquanto se ouvia o Audi a afastar‑se.
‑ Não é birra. Já não o gramava muito... então agora...
‑ Mas que pode haver entre ti e a rapariga? ‑ entraram directos para a sala onde ainda se serviram de mais uma bebida. Diogo tirou um saco de amendoins duma gaveta, que foram partindo e comendo enquanto conversavam.
‑ Aí é que está... Nada. Eu não sinto nada. Porra!, há muito tempo que não sinto nada. E não foi ela que mudou alguma coisa. Acontece que estava com vontade de quebrar este celibato no qual me vejo há já tempo demais. O último romance consumiu-me. As coisas já não saem tão naturalmente. Falta-me um incentivo. Ainda me falta a mulher.
“O que interessa é que hoje estava na disposição de dar uma, percebes?, e esta Isabel... Sabes com quem ela é parecida?
- Janis.
- Ah, reparaste.
- Como não repararia? Lembras-te de quando estávamos apaixonados por ela? Só ouvíamos Janis Joplin e desejávamos estar na América, no fim dos anos 60...
- Filha da puta! Sempre me fascinou.
- Cuidado! Esta Isabel não é a Janis... Não te iludas. Não fantasies... e deixa-te dessas merdas.
Ficaram na conversa até de madrugada.
‑ Vitor, o Marcello vai‑se embora e leva‑me com ele. Queres aproveitar a boleia?
‑ Nós vamos, nós vamos... ‑ respondeu Isabel não permitindo que Vitor lhe negasse o convite, o que ia obviamente fazer. Depois de se entreolhar com o arquitecto, lá acedeu. Eram já quatro e meia da madrugada e sentia‑se cansado e excitado. Não era uma retirada daquelas o que tinha imaginado.
Entraram para o carro, um Audi A6 que respirava dinheiro dos contribuintes por todo o lado. O actual governo tratava bem os seus. Marcello ao volante, Diogo ao lado. No banco de trás, as explorações vão cada vez mais longe. Os dedos dele chegam à área restrita, massajando‑a para prazer da recém‑conhecida. Pela inércia sente que a condução é acelarada e brusca. Prefere ignorar o condutor.
Porém, a dada altura, algo passou pela cabeça de Isabel. Deixando‑se ficar nas mãos do mais que bêbado Vitor, começou a fazer festas no político. Passava‑lhe a mão pelo pescoço e esticava‑se para o beijar. Diogo olhou para trás e viu Vitor que com um ar derrotado, ergueu a mão livre esticando o dedo médio num bem medido gesto obsceno. Isabel libertou‑se dele, concentrando as suas energias no condutor. Este falou:
‑ Diogo, importas‑te de levar o carro?
‑ Como levar...?
‑ Quero ter as mãos livres. ‑ disse com uma gargalhada. Vitor olhou‑o com desdém. Diogo protestou argumentando com álcool que bebera. De nada valeu, perante a insitência de Marcelo pelo que acabou por aceder. Quando pararam para trocar de posições, Isabel agarrou a mão do escritor e voltou a pedir‑lhe desculpa, desta feita com um olhar de cão abandonado. Ele não respondeu e passou para a frente, ao lado do novo condutor.
‑ Queres ficar em minha casa? ‑ era Diogo quem convidava.
‑ Aceito! ‑ respondeu sem hesitações. - Quanto mais cedo sair daqui, melhor. ‑ lá atrás os vidros embaciavam e ouviam‑se gemidos.
‑ Uma fotografia agora seria bastante valiosa.
‑ Nem brinques, Diogo. ‑ foram as palavras do político.
O arquitecto vivia num prédio por si recuperado nas Avenidas Novas. Foi lá que pararam, saindo os quatro da viatura. Enquanto os outros se despediam, Isabel agarrou Vitor, beijou‑o, e disse:
‑ Desculpa... talvez para a próxima... Tu não merecias... Desculpa. Aparece na festa dos Junqueira. ‑ novo beijo e entrou para o banco da frente. Sem dizer nada a Marcello, o escritor entrou pela porta que se abria sendo recebido pela cadela do arquitecto que, agitando a cauda, se ofereceu às festas de Vitor.
‑ Não é caso para fazeres birra. ‑ afirmou o dono da casa enquanto se ouvia o Audi a afastar‑se.
‑ Não é birra. Já não o gramava muito... então agora...
‑ Mas que pode haver entre ti e a rapariga? ‑ entraram directos para a sala onde ainda se serviram de mais uma bebida. Diogo tirou um saco de amendoins duma gaveta, que foram partindo e comendo enquanto conversavam.
‑ Aí é que está... Nada. Eu não sinto nada. Porra!, há muito tempo que não sinto nada. E não foi ela que mudou alguma coisa. Acontece que estava com vontade de quebrar este celibato no qual me vejo há já tempo demais. O último romance consumiu-me. As coisas já não saem tão naturalmente. Falta-me um incentivo. Ainda me falta a mulher.
“O que interessa é que hoje estava na disposição de dar uma, percebes?, e esta Isabel... Sabes com quem ela é parecida?
- Janis.
- Ah, reparaste.
- Como não repararia? Lembras-te de quando estávamos apaixonados por ela? Só ouvíamos Janis Joplin e desejávamos estar na América, no fim dos anos 60...
- Filha da puta! Sempre me fascinou.
- Cuidado! Esta Isabel não é a Janis... Não te iludas. Não fantasies... e deixa-te dessas merdas.
Ficaram na conversa até de madrugada.
(continua)
6.12.05
Qualidade de estágios
Fala-se muito de meios e de Justiça.
Por isso, vou limitar-me a descrever uma realidade factual, e cada um que a aprecie como quiser.
Os Juízes e Procuradores-Adjuntos, antes de o serem como efectivos, passam pelo CEJ (Centro de Estudos Judiciários) como Auditores de Justiça. Estão lá 6 meses a ter aulas de cariz essencialmente teórico; depois passam pelos Tribunais durante um ano, partilhando o tempo entre formação junto da judicatura e junto do Ministério Público, simulando despachos, decisões, todo o tipo de trabalho que os seus formadores fazem no dia a dia; regressam 3 meses ao CEJ, findos os quais (finalmente!!!), escolhem o caminho que vão seguir. Escolhem entre ser Juiz ou Procurador.
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É então que vão novamente para os Tribunais para exercer, durante um ano, as funções próprias da magistratura escolhida, enquanto estagiários, beneficiando de quantidades de trabalho mais reduzidas e do apoio do magistrado formador.
Ora, o que acontece é que o Ministério da Justiça, através da DGAJ e do ITIJ (organismos responsáveis pelo parque informático dos Tribunais) não reconhece aos magistrados estagiários o direito de utilizar um computador. Como tal, não lhes está atribuída qualquer máquina.
É o Juiz-estagiário ou o Procurador-Adjunto-estagiário quem tem que levar de casa o seu computador portátil (se o não tiver, que o compre) para poder despachar os processos que lhe cabem sem ser à mão.
Mas ainda não acaba aqui. Mesmo levando o seu computador, o recém magistrado não tem uma impressora! E, então, tem que pedir aos colegas, ou ao formador, que o deixe usar a sua. E como não há cabos extra, ou repartidores das portas, tem que deslocar-se da sua secretária para aquela onde estiver a impressora, desligá-la do computador ao qual está afecta, ligá-la ao seu portátil, e imprimir o que quiser. Depois de regressar ao lugar, se vir um daqueles erros que apenas aparecem no papel e passam despercebidos no monitor, tem que repetir a dose.
Ou então, que compre uma impressora para si, a leve para o Tribunal e a ligue ao seu portátil. E não peça tinteiros, porque não são da marca das impressoras dos Tribunais e por isso o Sr. Secretário não os poderá comprar...
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Esta descrição é verídica. Não é ficção.
Ocorre em muitos dos Tribunais onde se dá formação, como em Setúbal, onde mais de uma quinzena de estagiários e auditores têm formação todos os anos.
Esta é a dignidade conferida ao exercício da função de julgar. Ou de acusar.
Este é um exemplo da dependência das Magistraturas relativamente ao Governo.
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Quem anda nos Tribunais e tem oportunidade de ir aos arquivos, encontra, quase sempre, computadores e impressoras "obsoletos", desactivados, a apodrecer, ou à espera de serem enviados para a GNR que os "aproveita". Falamos de Pentium III, de impressoras com 6, 7 anos. Carecendo os estagiários apenas de um processador de texto e de uma navegação na internet (para aceder ao Diário da República e às bases de jurisprudência), é bom saber que alguém acha que não devem tais máquinas ser-lhes atribuídas.
Haja Bom Senso
"Ainda não vi reclamar a eliminação de símbolos maçónicos em estátuas e monumentos nas nossas ruas, por ofenderem os que não partilham tais convicções. E os crucifixos, ofendem alguém? Haja bom senso."
Francisco Sarsfield Cabral, Diário de Notícias, 5-12-2005
Francisco Sarsfield Cabral, Diário de Notícias, 5-12-2005
-
A citação estava na primeira página do Público on-line.
Que frase palerma.
Então, é a mesma coisa a simbologia das estátuas e heráldica nacionais, e a presença de crucifixos nas salas de aula?
E se um professor muçulmano substituísse o crucifixo por um crescente? Ou um judeu lá colocasse a estrela de David? Os que agora defendem a naturalidade do símbolo religioso na sala de aulas também se calariam?
Ah, pois, se calhar não. O que é estranho é confundirem liberdade religiosa (individual), com a imposição do Estado de um símbolo próprio de uma religião a todos os estudantes que a cada sala de aula se deslocam para serem ensinados.
Cada um deve ser livre de ostentar o símbolo da sua religião. O Estado não deve ostentar nenhum.
E uma sala de aulas numa escola pública é um dos rostos do Estado.
Haja bom senso, digo eu.
5.12.05
"Edifício da Verdade" (8)
O vodka era o sétimo. O tema as mulheres. Foi nessa altura que Isabel apareceu e se sentou no meio dos dois amigos.
‑ Olhem‑me para aquele porco. O cabrão está agora a fazer‑se a uma pitinha.
Olharam. Realmente, a jovem sobre quem Marcello se debruçava não devia ter feito o seu piroso baile de debutante há mais de um ano.
‑ Mete‑me nojo. ‑ era notório o estado etilizado de Isabel. A voz soava entramelada.
A partir de então a conversa degenerou. Não diziam mais coisa com coisa. Vitor bêbado, ela pior, Diogo introspectivo como costumava ficar quando chegava àquele ponto em que se perguntava "Então e agora? Sigo para o esquecimento ou ponho‑me sóbrio?".
‑ Vens comigo à casa‑de‑banho? ‑ o convite de Isabel era dirigido ao escritor. ‑ Se fôr sózinha já não volto.
Ele levantou‑se e amparou‑a debaixo do seu braço esquerdo. A mão dela entrou por baixo da camisa e afagou‑lhe as costas. Cambalearam na direcção dos lavabos. Vitor ainda olhou para trás, para ver o sorriso de Diogo, divertido com o rumo dos acontecimentos.
Ela entrou no lavabo com ele logo atrás. Já conhecia os sintomas e por isso foi ajudá‑la a vomitar. Depois retirou‑se não sem antes passar água fria pela cara tentando despertar. Aguardou junto à porta.
Quando se juntaram, abraçaram‑se. As mãos dela por debaixo da camisa agora completamente solta das calças. Beijaram‑se. Como é curioso o beijo entre dois bêbados. Línguas secas, encortiçadas, que se cruzam, provocando uma sensação próxima da repulsa, longe do prazer. Arrastaram‑se para um pequeno sofá da saleta ali ao lado. Novo beijo. Ela agarra‑o na sua virilidade. Ele cresce. As suas mãos exploram. Ficam por ali durante muito tempo. Passados largos minutos, Vitor ergueu‑se e levantou‑a com intenções de subir para um dos quartos do seu editor. Durante esse período na saleta por várias vezes Isabel pediu desculpa. Vitor julgou entender o que queria com isso, mas preferiu ignorar. Quem usava quem? Era difícil de dizer.
(continua)
30.11.05
Ventos de mudança?
Ontem, na SIC Notícias, foi para o ar um debate sobre a Justiça, tendo como mote os eventos ocorridos no VII Congresso da ASJP. Estavam presentes o Presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, o Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Baptista Coelho, o Bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Cluny, um vogal do Conselho Superior da Magistratura, Edgar Lopes e, pelo Governo, não o seu Ministro da Justiça, mas um dos Secretários de Estado, João Tiago Silveira.
Não deixa de ser sintomático que não tenha sido o próprio Ministro a defender a sua dama perante interlocutores tão destacados. Porém, quem vê Tiago Silveira percebe duas coisas: o discurso esconde-se no seu estilo habitual transmite charme, boa disposição, simpatia; contudo, ao nível do conteúdo, assenta em ideias pré-estruturadas do discurso oficial do Governo para debitar, recitar, sendo inconsequente perante interpelações directas.
O discurso do Governo é vago e tem pés de barro. Basta ver a incapacidade do Secretário de Estado de justificar cientificamente as afirmações feitas quanto ao alegado aumento de produtividade decorrente da alteração às férias judiciais, derivando sempre para o discurso do "que já fizemos", não obstante as diversas insistências da moderadora.
Por outro lado, foi a primeira vez que vi a incapacidade de reacção do Ministério à (feroz) oposição de todas as profissões dos operadores judiciários, por não lograr ultrapassar a legitimação decorrente do discurso do Presidente da República no referido Congresso.
Retomo a ideia: se este discurso tivesse sido feito em meados de Outubro, seguramente se teria poupado a semana negra das greves nos Tribunais.
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Findo tal debate deparei com o programa "Parlamento", no canal 2:, onde estavam deputados representantes de todos os partidos com assento parlamentar. Mais uma vez pude constatar
1 - o isolamento do PS, nas questões relativas à Justiça, mais concretamente à forma como abordar as necessárias intervenções no regime;
2 - a censura relativamente à campanha infame movida contra a magistratura judicial;
3 - o cada vez maior isolamento, mesmo dentro do PS, do Ministro Alberto Costa e do seu estilo arrogante e desafiador;
4 - a pobreza do discurso de Ana Drago, completa desconhecedora da realidade que comentava, acentuando ainda mais a ideia de que o Bloco de Esquerda não está suficientemente habilitado para assumir as responsabilidades emergentes dos seus resultados eleitorais.
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Ouvem-se rumores de que o PS estará a cozinhar uma remodelação governamental para ocorrer mesmo antes do fim do mandato de Jorge Sampaio, para não correr o risco de ter que se sujeitar ao crivo de um novo Presidente, leia-se Cavaco Silva. Alberto costa seria uma das cabeças rolantes.
Pode ser uma fantasia, ao fim de oito meses de governo. Assim pensei quando ouvi o rumor. Agora já estou a ter outra opinião. Se calhar é mesmo verdade.
29.11.05
Jardinagem
Ferndando Meireles, realizador brasileiro do fabuloso filme que é "A cidade de Deus" foi recrutado para uma produção americana, com interpretações inglesas e locações africanas, londrinas e berlinenses. Falo do "The constant gardener", filme baseado na obra homónima de John Le Carré, mestre da conspiração e espionagem.
A história move-se no seio da comunidade diplomática britânica, e a intriga deixa de lado as habituais espionagens internacionais para dar lugar à conspiração económica no mundo da indústria farmacêutica e dos testes indiscriminados em doentes carenciados do continente africano, neste caso Nairobi, Quénia.
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Com sensíveis interpretações de Ralph Fiennes e Rachel Weisz, a segura criatividade de Fernando Meireles guia-nos por uma visita ao lado africano que estamos habituados a ver exclusivamente pela mão dos repórteres, e nas fotografias de desgraça que costumam ser expostas na World Press Photo. Mais uma vez nos aproximamos dos personagens, quem sabe demais, e queremos que eles ajam de forma diferente. MAs não são heróis, super-heróis... são gente, comum, empenhada, apaixonada.
A intriga não nos põe ansiosos por descobrir o que quer que seja. Meireles antecipa o fim e dá todas as pistas para lá chegarmos. Apenas nos oculta o caminho.
É, pois, um filme seguro, agradável, emocionante e, sem dúvida, para ver.
28.11.05
O congresso dos Juízes
Decorreu nos dias 24 a 27 passados o 7º Congresso dos Juízes Portugueses, organizado pela ASJP. Foram várias as notícias que passaram nos meios de comunicação social, sejam eles a imprensa escrita, as rádios ou as televisões. Li, ouvi e vi poucas dessas peças jornalísticas ou mesmo de opinião, pelo que apenas me poderei pronunciar, nessa matéria, sobre uma ou duas questões. Adiante lá chegarei.
Neste congresso os Juízes debateram temas actuais relativos ao desempenho da profissão, como sejam as novas tecnologias (vantagens, perigos, falta delas, desejos de futuro), a formação dos novos magistrados, a liberdade e independência do julgador, os desafios do associativismo. Não foi, por isso, um congresso meramente reivindicativo ou corporativista. Não foi uma reunião da Associação Sindical. Foi uma reunião por onde passaram mais de 400 juízes, mais de um quarto da classe.
Contudo, e no meio da actual situação da Justiça, à qual se criou o hábito de chamar crise(de tão prolongada já deveria ter passado a depressão) é natural que o congresso fizesse eco do descontentamento da judicatura. E assim aconteceu, logo na sessão de abertura solene pela boca do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quarta figura de Estado na hierarquia do Protocolo.
É sintomático ver alguém com aquela idade, aqueles anos de serviço, toda a experiência acumulada pronunciar-se nos termos em que o fez. Não sou dado a resumos, por isso recomendo a leitura da sua comunicação aqui, no site da ASJP, onde basta clicar na identificação do orador para aceder ao texto.
Mas curiosa foi a resposta que se seguiu pela boca do Sr. Presidente da República, o qual, aparentemente, só agora terá percebido o que realmente está em jogo na reivindicação da judicatura. Tarde reparou, porque se este discurso (também disponível no referido site) tem sido proferido há mês e meio seguramente teria sido poupada uma greve que aconteceu como medida extrema de apelo. Ainda assim, que fique clara a censura à forma afrontosa como o actual Ministro da Justiça conduz os desígnios do Governo nesta área.
Neste congresso os Juízes debateram temas actuais relativos ao desempenho da profissão, como sejam as novas tecnologias (vantagens, perigos, falta delas, desejos de futuro), a formação dos novos magistrados, a liberdade e independência do julgador, os desafios do associativismo. Não foi, por isso, um congresso meramente reivindicativo ou corporativista. Não foi uma reunião da Associação Sindical. Foi uma reunião por onde passaram mais de 400 juízes, mais de um quarto da classe.
Contudo, e no meio da actual situação da Justiça, à qual se criou o hábito de chamar crise(de tão prolongada já deveria ter passado a depressão) é natural que o congresso fizesse eco do descontentamento da judicatura. E assim aconteceu, logo na sessão de abertura solene pela boca do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quarta figura de Estado na hierarquia do Protocolo.
É sintomático ver alguém com aquela idade, aqueles anos de serviço, toda a experiência acumulada pronunciar-se nos termos em que o fez. Não sou dado a resumos, por isso recomendo a leitura da sua comunicação aqui, no site da ASJP, onde basta clicar na identificação do orador para aceder ao texto.
Mas curiosa foi a resposta que se seguiu pela boca do Sr. Presidente da República, o qual, aparentemente, só agora terá percebido o que realmente está em jogo na reivindicação da judicatura. Tarde reparou, porque se este discurso (também disponível no referido site) tem sido proferido há mês e meio seguramente teria sido poupada uma greve que aconteceu como medida extrema de apelo. Ainda assim, que fique clara a censura à forma afrontosa como o actual Ministro da Justiça conduz os desígnios do Governo nesta área.
Seguramente discordo de tais caminhos, mas se fossem trilhados de forma segura, digna e com respeito pelos envolvidos, ouvindo-os e aceitando discutir apontadas imprecisões ou imperfeições, teria que engolir em seco e esperar pela mudança de política ou de governo da Nação. Agora, perante tal postura do Presidente da República que, note-se, igualmente deixou palavras de censura aos Juízes, o Sr. Ministro da Justiça deveria repensar a sua estratégia. Porque a palmatoada vem de quem o nomeou, de quem, constitucionalmente, depende.
Após os trabalhos seguiu-se a sessão de encerramento. E mais uma vez, uma voz representativa dos Juízes, desta feita o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, apontou o dedo ao que deve ser repensado, e traduziu o estado de espírito de uma classe profissional com responsabilidades soberanas. Recomendo igualmente a leitura do seu discurso.
Agora, se se derem ao trabalho de fazer a leitura que recomendo, vejam bem se, como ouvi na rádio (Antena 1) e li nos títulos de primeira página (DN), o Ministro da Justiça ofereceu colaboração aos Juízes e estes a recusaram. O discurso de Alberto Costa reiterou a correcção das políticas já tomadas, foi púlpito de anúncio de novas medidas, e de forma autista, ignorando a queixas ecoadas pelos presidentes dos dois Supremos Tribunais, apelou à intervenção seguidista dos Juízes em tais desmandos governativos. Não se estranhe, pois, que perante uma plateia de perto de 500 pessoas, apenas a comitiva do Ministro, e os convidados, aplaudiram as palavras daquele governante.
Já vai longa a minha conversa. Para além dos apontados discursos (Presidente do STJ, Presidente do STA, Ministro da Justiça e, porque não, as do Presidente da ASJP) recomendo vivamente a leitura do texto da comunicação do Dr. Orlando Afonso (erradamente atribuída no site ao Dr. João Aveiro Pereira), sob o título “A independência do Poder Judicial: uma morte anunciada”. O tom leve e irónico esconde uma preocupação real e perturbadora. A ligeireza do descurso governativo, opinativo, jornalístico e do cidadão comum arrastam para uma posição indesejável o soberano poder judicial.
Após os trabalhos seguiu-se a sessão de encerramento. E mais uma vez, uma voz representativa dos Juízes, desta feita o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, apontou o dedo ao que deve ser repensado, e traduziu o estado de espírito de uma classe profissional com responsabilidades soberanas. Recomendo igualmente a leitura do seu discurso.
Agora, se se derem ao trabalho de fazer a leitura que recomendo, vejam bem se, como ouvi na rádio (Antena 1) e li nos títulos de primeira página (DN), o Ministro da Justiça ofereceu colaboração aos Juízes e estes a recusaram. O discurso de Alberto Costa reiterou a correcção das políticas já tomadas, foi púlpito de anúncio de novas medidas, e de forma autista, ignorando a queixas ecoadas pelos presidentes dos dois Supremos Tribunais, apelou à intervenção seguidista dos Juízes em tais desmandos governativos. Não se estranhe, pois, que perante uma plateia de perto de 500 pessoas, apenas a comitiva do Ministro, e os convidados, aplaudiram as palavras daquele governante.
Já vai longa a minha conversa. Para além dos apontados discursos (Presidente do STJ, Presidente do STA, Ministro da Justiça e, porque não, as do Presidente da ASJP) recomendo vivamente a leitura do texto da comunicação do Dr. Orlando Afonso (erradamente atribuída no site ao Dr. João Aveiro Pereira), sob o título “A independência do Poder Judicial: uma morte anunciada”. O tom leve e irónico esconde uma preocupação real e perturbadora. A ligeireza do descurso governativo, opinativo, jornalístico e do cidadão comum arrastam para uma posição indesejável o soberano poder judicial.
23.11.05
"O Edifício da Verdade" (7)
A relação entre Vitor, Diogo e Marcello nasceu na adolescência, quando as aulas eram o dia-a-dia e os sonhos do futuro enchiam as conversas e as cabeças dos três.
Com o passar dos anos, cada um seguiu uma carreira diferente e começaram a afastar-se. Os tempos não eram os mesmos, os locais frequentados também não, e as dores de crescimento alimentaram uma separação inevitável. No passado se quedaram as memórias de Verões infindáveis de praia, de viagens de comboio e à boleia, de partilha dos primeiros automóveis nas estradas de Espanha e França.
Um dia, já Marcello singrava na juventude partidária da sua cor dando indícios de sucesso, Vitor apercebeu-se de que aquele homem não teria contemplações com nada nem ninguém para alcançar os desígnios políticos que traçara na adolescência. A constante politização do discurso, das escolhas, das amizades tornou-se cansativa e intolerável. Vitor passou a desgostar da companhia do amigo e a consideração por este caíu a pique.
Marcello perdeu o estatuto de amigo, camarada, cúmplice. Era agora apenas mais um conhecido cuja presença lhe custava tolerar.
Com o passar dos anos, cada um seguiu uma carreira diferente e começaram a afastar-se. Os tempos não eram os mesmos, os locais frequentados também não, e as dores de crescimento alimentaram uma separação inevitável. No passado se quedaram as memórias de Verões infindáveis de praia, de viagens de comboio e à boleia, de partilha dos primeiros automóveis nas estradas de Espanha e França.
Um dia, já Marcello singrava na juventude partidária da sua cor dando indícios de sucesso, Vitor apercebeu-se de que aquele homem não teria contemplações com nada nem ninguém para alcançar os desígnios políticos que traçara na adolescência. A constante politização do discurso, das escolhas, das amizades tornou-se cansativa e intolerável. Vitor passou a desgostar da companhia do amigo e a consideração por este caíu a pique.
Marcello perdeu o estatuto de amigo, camarada, cúmplice. Era agora apenas mais um conhecido cuja presença lhe custava tolerar.
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Três vodkas e três whiskeys mais tarde, estavam ainda no mesmo sofá, ao canto, revivendo aventuras e contando novas experiências. Vitor já caminhava para o esquecimento. Diogo sentia‑se apenas alegre.
‑ Olha, escritor, que tal escreveres sobre aquilo. Ele trata‑a abaixo de cão. ‑ com o olhar apontou uma cena constrangedora. À volta de uma pequena mesa, um grupo ria. Entre eles Marcello. Ao seu lado, sentada no chão, Isabel, visivelmente embriagada, aconchegava‑se às pernas dele, alheia à sua indiferença.
‑ Grande porco! ‑ era incrível como uma festa daquelas, livre dos elementos mais conservadores e dos fotógrafos que entretanto se tinham retirarado, degenerou. A cena da Isabel passava despercebida no ambiente geral. O álcool, a coca, o ecstassy e até mesmo o LSD tinham lançado a mão e tocado o espírito de toda a gente. Os aniversariantes, esses, deviam já estar a celebrar em privado na sua outra casa na Ericeira.
(continua)
O cinema das relações
O cinema francês já nos habituou a tratar as relações humanas com uma profundidade, beleza e sensibilidade que o cinema norte-americano apenas ousa atingir em algumas esporádicas produções independentes.
Fui ver o "Les Poupées Russes", sequela de um outro filme que agora tenho que, desesperadamente, ver "L'auberge espagnol".
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Ainda não sei explicar a sensação que me invade quando vejo filmes como este. Pouco depois do início da projecção sinto-me tão próximo dos personagens que a sua vivência me afecta. Aqueles personagens poderiam ser gente normal, das minhas relações pessoais e por isso envolvo-me com a acção. Rio-me com gosto, sinto com intensidade, apetece-me interagir com eles, falar-lhes, dar a minha opinião.
E o realizador, Cédric Klapisch, tem pormenores deliciosos, criativos, seguros.
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O actor principal, Romain Duris, foi recentemente descoberto por mim no filme "De tanto bater o meu coração parou". Mais um actor francês a encher a tela, desta feita acompanhado, soberbamente, por Audrey Tautou (lembram-se de Amelie), Cecile de France, Kelly Reiley, Kevin Bishop e Evguenya Obraztsova, entre outros.
Recomendo o visionamento deste filme. Não só vale o preço do bilhete, como será uma pena perder cinema deste.
22.11.05
"O Edifício da Verdade" (6)
Quando foi servir‑se de um vodka limão, reparou novamente naquela mulher que entrara com Marcello. Algo cativava a sua atenção e isso não passou despercebido. De uma ponta para a outra da sala cruzaram olhares curiosos.
Aquele olhar. Aquele não era um olhar casual. Quando uma mulher olha assim para um homem, quer dizer "Olá! Quem és tu?". Sentiu-se impelido para lhe dar uma palavra, mas não o fez. Parou, olhou à volta procurando Diogo. Estava na outra ponta da sala a falar com Marcello, alguém de quem Vitor se afastara conscientemente ao longo dos últimos anos. Procurou‑a de novo. Viu o vazio no local onde estivera segundos antes. Virou-se para circular e lá estava ela, sorrindo, metendo conversa.
‑ Olá, eu sou a Isabel.
‑ Olá. ‑ respondeu sem convicção, ‑ Vítor Cardoso. ‑ sorriu.
‑ Gostas de gatos?
‑ Gatos?
‑ Sim gatos. Têm pêlo, quatro patas, cauda e fazem miau.
‑ Mais ou menos...
‑ Como mais ou menos?
‑ São giros, na casa dos outros.
‑ Oh!, que pena... ‑ fez beicinho.
‑ Pena?
‑ Sim... é que a minha gata pariu uma ninhada e eu ando a ver se os distribuo.
‑ Não, eu não sou uma boa escolha. Aliás, tenho um cão cujo passatempo é papar gatos.
‑ Ah!, que crueldade.
Fora incapaz de resistir à tentação da mentira. Mas aquela mulher não podia ser normal, considerando a abordagem que lhe fizera. Que estaria ali a fazer? Não tinha nada a ver com a festa, com as pessoas que estavam presentes, que assumiam uma pose e procuravam não a perder durante aquelas horas de exposição pública. Mais ninguém na sala o abordaria assim.
Isabel não era alta. Na melhor das hipóteses, tinha 1,60m, ou seja, menos um bom palmo que Vitor. Também não era bonita, deslumbrante, artificial. Mas não era feia. Era... sensual, isso sim. Cabelo encaracolado, curto mas não muito, loira... Notava‑se que usava lentes de contacto nos olhos castanho amendoados. Busto pequeno, e ancas largas eram as formas evidenciadas pelo vestido de noite escuro que a desfavorecia, não obstante expor os ombros delicados e atraentes. Vitor julgou-a como sendo mulher para ver de ganga.
Enquanto com ela falava, certas expressões faziam‑lhe lembrar um dos seus ídolos de sempre, Janis Jophn. E conforme a foi conhecendo, mais essa sensação aumentava. Imaginou‑a em palco. Imaginou‑a na cama.
A conversa tomou rumos mais agradáveis do que qualquer outra que se escutasse naquele salão. Discos, filmes, livros, gostos comuns e outros nem por isso. Nas escadas, um casal descia, incapaz de esconder que fora satisfazer a sua líbido na convencionada rapidinha. Dos lavabos, dois jovens casais vinham a rir. Não eram gargalhadas naturais. Para os mais conhecedores, era indiscutivelmente o efeito dessa dama branca que dá pelo nome de cocaína.
Diogo e Marcello aproximaram‑se. Este último cumprimentou‑o efusivamente, incapaz de se aperceber que Vitor já não prezava a sua companhia. Contudo, por viver naquele mundo hipócrita, o escritor habituara‑se a ocultar os seus verdadeiros sentimentos.
Após cinco minutos de conversa de circunstância, coroada com diversas risadas forçadas e alguns sorrisos amarelos, Marcello afastou‑se. Atrás dele seguiu Isabel. A mulher agia como que enfeitiçada, olhando‑o como se nunca tivesse conhecido outro homem. A sua atitude foi tão óbvia que Vitor não a conseguiu ignorar. De um momento para o outro viu‑se só, sob o olhar fraterno do compreensivo Diogo.
‑ Esquece‑a, pá, não é mulher para ti... E vê‑se que está caída pelo Marcello. Realmente nunca percebi o que é que o gajo tem que as atrai que nem mel.
‑ Está no Governo, tem dinheiro e é um filho‑da‑puta. ‑ levantou‑se para ir buscar outro vodka. Com um simples olhar encarregou‑se de trazer mais um whisky velho para o arquitecto.
Aquele olhar. Aquele não era um olhar casual. Quando uma mulher olha assim para um homem, quer dizer "Olá! Quem és tu?". Sentiu-se impelido para lhe dar uma palavra, mas não o fez. Parou, olhou à volta procurando Diogo. Estava na outra ponta da sala a falar com Marcello, alguém de quem Vitor se afastara conscientemente ao longo dos últimos anos. Procurou‑a de novo. Viu o vazio no local onde estivera segundos antes. Virou-se para circular e lá estava ela, sorrindo, metendo conversa.
‑ Olá, eu sou a Isabel.
‑ Olá. ‑ respondeu sem convicção, ‑ Vítor Cardoso. ‑ sorriu.
‑ Gostas de gatos?
‑ Gatos?
‑ Sim gatos. Têm pêlo, quatro patas, cauda e fazem miau.
‑ Mais ou menos...
‑ Como mais ou menos?
‑ São giros, na casa dos outros.
‑ Oh!, que pena... ‑ fez beicinho.
‑ Pena?
‑ Sim... é que a minha gata pariu uma ninhada e eu ando a ver se os distribuo.
‑ Não, eu não sou uma boa escolha. Aliás, tenho um cão cujo passatempo é papar gatos.
‑ Ah!, que crueldade.
Fora incapaz de resistir à tentação da mentira. Mas aquela mulher não podia ser normal, considerando a abordagem que lhe fizera. Que estaria ali a fazer? Não tinha nada a ver com a festa, com as pessoas que estavam presentes, que assumiam uma pose e procuravam não a perder durante aquelas horas de exposição pública. Mais ninguém na sala o abordaria assim.
Isabel não era alta. Na melhor das hipóteses, tinha 1,60m, ou seja, menos um bom palmo que Vitor. Também não era bonita, deslumbrante, artificial. Mas não era feia. Era... sensual, isso sim. Cabelo encaracolado, curto mas não muito, loira... Notava‑se que usava lentes de contacto nos olhos castanho amendoados. Busto pequeno, e ancas largas eram as formas evidenciadas pelo vestido de noite escuro que a desfavorecia, não obstante expor os ombros delicados e atraentes. Vitor julgou-a como sendo mulher para ver de ganga.
Enquanto com ela falava, certas expressões faziam‑lhe lembrar um dos seus ídolos de sempre, Janis Jophn. E conforme a foi conhecendo, mais essa sensação aumentava. Imaginou‑a em palco. Imaginou‑a na cama.
A conversa tomou rumos mais agradáveis do que qualquer outra que se escutasse naquele salão. Discos, filmes, livros, gostos comuns e outros nem por isso. Nas escadas, um casal descia, incapaz de esconder que fora satisfazer a sua líbido na convencionada rapidinha. Dos lavabos, dois jovens casais vinham a rir. Não eram gargalhadas naturais. Para os mais conhecedores, era indiscutivelmente o efeito dessa dama branca que dá pelo nome de cocaína.
Diogo e Marcello aproximaram‑se. Este último cumprimentou‑o efusivamente, incapaz de se aperceber que Vitor já não prezava a sua companhia. Contudo, por viver naquele mundo hipócrita, o escritor habituara‑se a ocultar os seus verdadeiros sentimentos.
Após cinco minutos de conversa de circunstância, coroada com diversas risadas forçadas e alguns sorrisos amarelos, Marcello afastou‑se. Atrás dele seguiu Isabel. A mulher agia como que enfeitiçada, olhando‑o como se nunca tivesse conhecido outro homem. A sua atitude foi tão óbvia que Vitor não a conseguiu ignorar. De um momento para o outro viu‑se só, sob o olhar fraterno do compreensivo Diogo.
‑ Esquece‑a, pá, não é mulher para ti... E vê‑se que está caída pelo Marcello. Realmente nunca percebi o que é que o gajo tem que as atrai que nem mel.
‑ Está no Governo, tem dinheiro e é um filho‑da‑puta. ‑ levantou‑se para ir buscar outro vodka. Com um simples olhar encarregou‑se de trazer mais um whisky velho para o arquitecto.
21.11.05
'Tá-se mesmo a ver
Creio que o PS vai ter uma nova e brilhante ideia para conter o défice. E depois diz que fazem o que países mais evoluídos estão a fazer.
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Para conter o elevado défice público
Governo alemão quer reduzir para metade 13º mês dos funcionários públicos
O diário alemão "Bild am Sonntag" noticiou ontem que a nova coligação governamental alemã, chefiada pela chanceler Angela Merkel, pretende reduzir para metade o 13º mês pago aos funcionários públicos e pensionistas já a partir de 2006.
O diário alemão "Bild am Sonntag" noticiou ontem que a nova coligação governamental alemã, chefiada pela chanceler Angela Merkel, pretende reduzir para metade o 13º mês pago aos funcionários públicos e pensionistas já a partir de 2006.
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Entretanto, abriu a caçada presidencial, digo, a pré-campanha para as presidenciais e a opinião pública é intoxicada com as declarações, ou a falta delas, dos candidatos. Por mais ocas que sejam, e distantes da visão possível da figura do PR tal como está desenhada na Constituição.
Começo a estar cansado. Tão cansado.
17.11.05
Questões de peso
Não obstante estarmos a chegar ao Inverno, este Urso Polar não irá hibernar. Logo, não está a investir na "engorda" para aguentar meses sem comer. Pelo contrário.
Cheguei ao ponto em que o peso se estava a tornar um problema. Recorri a ajuda médica, porque é mais fácil fazer algo que um médico nos diz, do que respeitar a opinião inúmeras vezes ouvida da boca de leigos.
Nos últimos dois meses perdi 13 quilos. E que foi que fiz? Deixei de comer fritos, doces, refrigerantes, e passei a comer pequenas quantidades de comida durante o dia para não comer tanto às refeições. Bebo ainda mais água e regressei ao ginásio (com altos e baixos quanto à frequência).
Os resultados imediatos surpreenderam-me. Rapidamente passei a flutuar na roupa que agora parece enorme. Não deixo de pensar que maus caminhos trilhava.
Não é só a questão estética, que naturalmente também conta. Este ano, na praia, pela primeira vez senti que a barriga estava maior do que devia para quem tem a minha idade... É a saúde. O cansaço por exigir ao corpo aguentar-se com o peso excessivo. Do coração em esforço. Da coluna vertebral (e uma hérnia de estimação) sempre sobre pressão. O ressonar que se acentua, tornando as noites menos pacíficas. O acordar logo em esforço.
É tão fácil sermos obesos. Tão difícil evitá-lo. Felizmente, pelo meu médico são permitidas prevaricações "em dias de festa". Caramba!, em Outubro imensa gente fez anos...
Nestes tempos recentes de dieta, olho de forma diferente para as pessoas que me rodeiam, com quem me cruzo na rua, nos transportes. E que vejo eu? Cada vez mais excessos.
Parece que apenas há dois tipos de pessoas: os que não se ralam e são obesos, progressivamente mais quanto maior a idade; e os que se preocupam e são tão magros, demasiado magros, com um ar frágil e débil.
Ou seja, o que deveria ser o normal, o ponto de equilibrio, é conseguido por uma minoria.
Oiço notícias dos encargos para a saúde derivados do peso. Cardíacos, respiratórios, ósseos, diabetes, falência de orgãos, e estranho a inexistência de um plano nacional que lute contra aquilo que já é uma epidemia. Assim como se combate o tabaco, a droga, o álcool; assim como se divulga a luta contra o cancro, a SIDA, a recente gripe das aves, dever-se-ia investir na luta contra a obesidade, o sedentarismo, a inércia.
E obrigar as pessoas a olhar com desconfiança para a comida que diariamente nos é oferecida nos restaurantes, cheia de fritos, massas folhadas, carnes gordas, açucares e chocolates, e refrigerantes.
Eu sei que sabem bem. Mas com o tempo, tornam-se hábitos maléficos.
Até há dois meses eu não prescindia deles.
16.11.05
"O Edifício da Verdade" (5)
Apanhou um táxi, tendo por destino a casa do editor. A festa de aniversário do seu casamento, o segundo, por sinal. Não tinha muito prazer na celebração. Mas o homem era uma peça deveras importante e, de maneira alguma, poderia fazer‑lhe uma desfeita. Decerto encontrar‑se‑ia com a concorrência, com muita gente oca e, sentindo‑se desenquadrado e sem trabalho pela frente, lá iria acabar por beber mais do que seria aconselhado.
Eram oito e um quarto quando tocou à campainha. Um empregado de ocasião, muito prestável, abriu‑lhe a porta, recebendo‑o e ficando‑lhe com o sobretudo. Ainda não estava muita gente. No salão, quatro casais e um grupo de três jovens moças já bebericavam alguns aperitivos. Conhecia‑os de outras festas, as mesmas poses, as mesmas bebidas. Felizmente viu Carlos Morais, o editor, acompanhado da bela esposa Cláudia. Estavam de pé, muito bem vestidos, escondendo excelentemente que já caminhavam para lá dos cinquenta.
Cumprimentou‑os, felicitou‑os e, a título de presente, entregou a Carlos o CD-ROM.
‑ Parabéns. Aceita como prenda. Se te der tanto dinheiro como o último, será a prenda mais valiosa de hoje. Também o mandei por e-mail para o teu endereço na editora.
‑ Obrigado. Vou pôr isto a imprimir. Talvez ainda o comece a ler hoje.
‑ Não faças isso. Esse é para começar e acabar logo de seguida. Não dou tempo para respirar. E, aliás, acho que hoje deverás ter outras coisas para, fazer na cama para além de ler, não?
Riram ambos perante Cláudia que corara ligeiramente, mas não evitara um sorriso cúmplice. Faltava pouco para o enfadonho jantar. A noite ia ser longa. Muito longa.
Para o jantar, o grupo foi reduzido. Vinte pessoas à volta de uma mesa em que se serviram as melhores iguarias preparadas por requintadas mãos, e em que o nível cultural foi extraordinariamente baixo. Vitor odiava estas ocasiões. Odiava as formalidades e odiava o vácuo intelectual que o rodeava. Sempre grande apreciador de conteúdos, desprezava o superficial. Por isso se sentia mal nas festividades da chamada alta sociedade. Uma alta sociedade frágil, construída no dinheiro, inundada pelo novo riquismo consumista, e incapaz de uma única criação cultural.
Já estavam longe os tempos em que tentara mudar alguma coisa. Mas depois de por várias vezes se sentir alvo de chacota e incompreendido ao tentar originar conversas dignas de tal qualificação, desistiu, passando a ser mais um peixe a seguir a corrente. Não se tornara um deles, mas também não faria mais nada para os contrariar. Arrumara‑se na sociedade. E apenas não renunciava àquelas provações por delas depender. Não tinha o estatuto de génio incompreendido para se poder alienar do meio que o alimentava e por isso, sem prazer, mas com um objectivo, deixava-se arrastar pelos ventos áridos.
Depois de um jantar em que fez questão de consumir uma boa quantidade dos excelentes vinhos servidos, encostou‑se a um canto do salão bebericando um Porto enquanto assistia à entrada, pelo lado oposto, daqueles que foram convidados apenas para a festa. Era de um mau gosto terrível. Juntava gente que, na mesma noite, sabia ter tido um tratamento diferente. Amigos de primeira, e amigos de segunda. Os senhores e a plebe.
Esperava sinceramente ver alguém do seu agrado. Via caras angustiantes. Via ex‑amigos. Via pessoas que lhe vinham falar, mas das quais queria distância. Via mulheres com as quais cometera erros. Via esposas com as quais enganara os maridos que agora as levavam pelo braço. E no meio de tanta gente era incapaz de encontrar sobre o que escrever, tal era a falsidade que o rodeava.
Sentiu um prazer incontrolável quando viu entrar o seu amigo e companheiro Diogo. Este, assim que se livrou dos aniversariantes, encaminhou‑se para Vitor com um enorme sorriso.
Diogo era um arquitecto com algum renome apesar dos seus trinta e três anos posto que tinha um estilo muito próprio no seu trabalho que já lhe ia dando destaque e reconhecimento. Em pessoa, também não seguia as convenções e era dos poucos que não estava formalmente vestido. Envergava umas calças de fazenda preta, sobre umas grossas botas de Inverno, assim como uma camisola de gola alta negra e um blazer da mesma côr, mas com uns leves traços de um vermelho morto que desenhavam um quadriculado largo. Cabelo curto, barba pequena apenas à volta da boca e no queixo, óculos ovalados pequenos, sem aros e hastes quase invisíveis de tão finas. Não obstante a simplicidade das escolhas, era incrível como sobressaía do vulgar se bem que, se assim o desejasse, conseguiria passar despercebido.
‑ Vitor, grande escritor, como vai isso?
‑ Menos mal, menos mal. E contigo arquitecto de prédios para demolir? ‑ retribuiu enquanto trocavam um caloroso abraço.
‑ Óptimo, óptimo. Já não te via vai para um par de meses.
‑ Estive enclausurado a acabar o último conto de fadas. Aliás, cheguei a ir um mês para os Açores para acelerar o trabalho.
‑ Açores? Bem, bem... Eu fiquei por cá. Acabei agora uma sede de empresa, daqueles edifícios que ninguém gosta, a não ser quem os criou.
‑ Mais uma torre branca?
‑ Exactamente. Vou agora gozar um mês de férias. Queres vir?
‑ Também mereço. Mas..., e aquela moça, a Mariana?
‑ Já era. Sabes como é..., nunca consigo aguentá‑las mais que um ano... Por isso é que podíamos ir juntos. Partir para o engate. Suponho que ainda não encontraste a mulher, pois não? - entoou com gozo.
‑ Não. Nem de perto.
‑ Estás a ir pelo mau caminho. Faz como eu. Se ela existir, encontrar‑te‑á.
‑ Vamos a ver, vamos a... Olha lá, ‑ disse mudando o tom, - aquele não é o Marcello?
Diogo virou‑se e assentiu:
‑ Sim, ele, a irmã e uma tipa que não conheço. ‑ quando voltou a olhar para Vitor, viu‑o concentrado na desconhecida.
‑ Não... aquilo não, Vitor. Nem sonhes com ela. Não é mulher para ti. Encontrarás muito melhor.
- E porque dizes isso com tanta segurança?
- Ela está com o Marcello, não está? – deixou no ar.
Eram oito e um quarto quando tocou à campainha. Um empregado de ocasião, muito prestável, abriu‑lhe a porta, recebendo‑o e ficando‑lhe com o sobretudo. Ainda não estava muita gente. No salão, quatro casais e um grupo de três jovens moças já bebericavam alguns aperitivos. Conhecia‑os de outras festas, as mesmas poses, as mesmas bebidas. Felizmente viu Carlos Morais, o editor, acompanhado da bela esposa Cláudia. Estavam de pé, muito bem vestidos, escondendo excelentemente que já caminhavam para lá dos cinquenta.
Cumprimentou‑os, felicitou‑os e, a título de presente, entregou a Carlos o CD-ROM.
‑ Parabéns. Aceita como prenda. Se te der tanto dinheiro como o último, será a prenda mais valiosa de hoje. Também o mandei por e-mail para o teu endereço na editora.
‑ Obrigado. Vou pôr isto a imprimir. Talvez ainda o comece a ler hoje.
‑ Não faças isso. Esse é para começar e acabar logo de seguida. Não dou tempo para respirar. E, aliás, acho que hoje deverás ter outras coisas para, fazer na cama para além de ler, não?
Riram ambos perante Cláudia que corara ligeiramente, mas não evitara um sorriso cúmplice. Faltava pouco para o enfadonho jantar. A noite ia ser longa. Muito longa.
Para o jantar, o grupo foi reduzido. Vinte pessoas à volta de uma mesa em que se serviram as melhores iguarias preparadas por requintadas mãos, e em que o nível cultural foi extraordinariamente baixo. Vitor odiava estas ocasiões. Odiava as formalidades e odiava o vácuo intelectual que o rodeava. Sempre grande apreciador de conteúdos, desprezava o superficial. Por isso se sentia mal nas festividades da chamada alta sociedade. Uma alta sociedade frágil, construída no dinheiro, inundada pelo novo riquismo consumista, e incapaz de uma única criação cultural.
Já estavam longe os tempos em que tentara mudar alguma coisa. Mas depois de por várias vezes se sentir alvo de chacota e incompreendido ao tentar originar conversas dignas de tal qualificação, desistiu, passando a ser mais um peixe a seguir a corrente. Não se tornara um deles, mas também não faria mais nada para os contrariar. Arrumara‑se na sociedade. E apenas não renunciava àquelas provações por delas depender. Não tinha o estatuto de génio incompreendido para se poder alienar do meio que o alimentava e por isso, sem prazer, mas com um objectivo, deixava-se arrastar pelos ventos áridos.
Depois de um jantar em que fez questão de consumir uma boa quantidade dos excelentes vinhos servidos, encostou‑se a um canto do salão bebericando um Porto enquanto assistia à entrada, pelo lado oposto, daqueles que foram convidados apenas para a festa. Era de um mau gosto terrível. Juntava gente que, na mesma noite, sabia ter tido um tratamento diferente. Amigos de primeira, e amigos de segunda. Os senhores e a plebe.
Esperava sinceramente ver alguém do seu agrado. Via caras angustiantes. Via ex‑amigos. Via pessoas que lhe vinham falar, mas das quais queria distância. Via mulheres com as quais cometera erros. Via esposas com as quais enganara os maridos que agora as levavam pelo braço. E no meio de tanta gente era incapaz de encontrar sobre o que escrever, tal era a falsidade que o rodeava.
Sentiu um prazer incontrolável quando viu entrar o seu amigo e companheiro Diogo. Este, assim que se livrou dos aniversariantes, encaminhou‑se para Vitor com um enorme sorriso.
Diogo era um arquitecto com algum renome apesar dos seus trinta e três anos posto que tinha um estilo muito próprio no seu trabalho que já lhe ia dando destaque e reconhecimento. Em pessoa, também não seguia as convenções e era dos poucos que não estava formalmente vestido. Envergava umas calças de fazenda preta, sobre umas grossas botas de Inverno, assim como uma camisola de gola alta negra e um blazer da mesma côr, mas com uns leves traços de um vermelho morto que desenhavam um quadriculado largo. Cabelo curto, barba pequena apenas à volta da boca e no queixo, óculos ovalados pequenos, sem aros e hastes quase invisíveis de tão finas. Não obstante a simplicidade das escolhas, era incrível como sobressaía do vulgar se bem que, se assim o desejasse, conseguiria passar despercebido.
‑ Vitor, grande escritor, como vai isso?
‑ Menos mal, menos mal. E contigo arquitecto de prédios para demolir? ‑ retribuiu enquanto trocavam um caloroso abraço.
‑ Óptimo, óptimo. Já não te via vai para um par de meses.
‑ Estive enclausurado a acabar o último conto de fadas. Aliás, cheguei a ir um mês para os Açores para acelerar o trabalho.
‑ Açores? Bem, bem... Eu fiquei por cá. Acabei agora uma sede de empresa, daqueles edifícios que ninguém gosta, a não ser quem os criou.
‑ Mais uma torre branca?
‑ Exactamente. Vou agora gozar um mês de férias. Queres vir?
‑ Também mereço. Mas..., e aquela moça, a Mariana?
‑ Já era. Sabes como é..., nunca consigo aguentá‑las mais que um ano... Por isso é que podíamos ir juntos. Partir para o engate. Suponho que ainda não encontraste a mulher, pois não? - entoou com gozo.
‑ Não. Nem de perto.
‑ Estás a ir pelo mau caminho. Faz como eu. Se ela existir, encontrar‑te‑á.
‑ Vamos a ver, vamos a... Olha lá, ‑ disse mudando o tom, - aquele não é o Marcello?
Diogo virou‑se e assentiu:
‑ Sim, ele, a irmã e uma tipa que não conheço. ‑ quando voltou a olhar para Vitor, viu‑o concentrado na desconhecida.
‑ Não... aquilo não, Vitor. Nem sonhes com ela. Não é mulher para ti. Encontrarás muito melhor.
- E porque dizes isso com tanta segurança?
- Ela está com o Marcello, não está? – deixou no ar.
(continua)
15.11.05
Wallace & Gromit - A Maldição do Coelhomem
Já o fui ver há mais de uma semana, mas só agora arranjei um tempinho para escrever umas breves palavras sobre este
fantástico filme.
Sou incondicional fã destes filmes, destes personagens. Dificilmente saíria desiludido de um filme como este.
Só que, desta vez, satisfeito não é a palavra que possa utilizar para descrever a forma como saí da sala no fim do filme.
Eu fiquei insatisfeito por o filme ter apenas 80 minutos e não 24 horas. Por terem que passar uns anos até estrear outro filme da série. Por Wallace & Gromit não poderem estar mais amíude junto de nós.
Porque inexistem adjectivos positivos suficientes para descrever a aventura desta parelha, as inúmeras referência cinematográficas, evidentes e escondidas, as piadas de recorte fino e britânico, o humor de cariz sexual dissimulado lá pelo meio.
A história, perfeita para animação. O tempo, o ritmo, perfeitos para a duração do filme. A emoção e o suspense em dose exacta. As gargalhadas garantidas com as piadas bem pensadas.
5 estrelas é pouco. Este é um filme para ver e rever.
---------
E a curta metragem de abertura, protagonizada pelos psicopatas pinguins de Madagáscar é um hino à animação. PAra aquecer a sala. E pôr a lágrima de riso ao canto do olho.
14.11.05
"O Edifício da Verdade" (4)
Sete horas. O sol já quase não se via, o que levara a temperatura a descer para a escala do frio. Doze de Outubro. Céu limpo. Acentuado arrefecimento nocturno.
Saíu de fato escuro e um laço ao pescoço. O sobretudo protegê‑lo‑ia do vento e do frio que caminhavam juntos vindos do mar. Desceu a pé as ruas estreitas daquela parte velha da cidade, encaminhando‑se para o rio. Seguiria ao longo deste até ao Cais‑do‑Sodré, onde apanharia o comboio.
Apesar de todo dinheiro que ganhava, Vitor não tinha carro e evitava conduzir. Decidira ser radical no momento em que quase se matou. Ia a caminho dos trinta quando bateu com o seu BMW a mais de duzentos quilómetros por hora. Ia bêbado, e não se lembra de nada a não ser de acordar no hospital. Sentiu-se então perante a necessidade de escolher, um dilema. Ou deixava de beber ou de conduzir.
Na sua vida, o álcool tinha marcado as grandes viragens. Tivera as melhores ideias sobre os efeitos do álcool. Conhecera e perdera as melhores mulheres sob os efeitos do álcool. Apertou a não ao Presidente da República sob os efeitos do álcool. E por causa do álcool, seu amigo inseparável, deixou de conduzir.
Não tinha medo de andar a pé. Nunca fora assaltado e acreditava que nunca o seria. Além do mais, gostava de andar junto com as pessoas, junto com a mole humana. Gostava de olhar alguém e imaginar quem seria, como seria. E se a ideia lhe agradasse, de imediato puxava do papel e escrevia o que lhe vinha à mente. Assim criava os seus personagens.
Era‑lhe por demais agradável moldar aqueles que o rodeavam. Trabalhá‑los a gosto, dando vida a imagens que nos são indiferentes. Quantas vezes nos cruzamos com as mesmas pessoas, aquelas que todos os dias nos acompanham nos transportes públicos? Quantas vezes desejamos saber quem são? O que são?
Para Vitor era diferente. Andar de comboio, de autocarro, de metro, não era rotina. Era uma viagem à fonte da criação. Uma investida ao reino da matéria‑prima. Para ele as pessoas nunca eram as mesmas. E nunca ficavam vazias pois que, apesar de com elas nunca comunicar, acabava sempre por as encher, as completar. Aquela velhinha de ar triste? Está desolada por o neto se ter deixado envolver pelo mundo da droga. Aquela jovem com ar sonhador? Descobriu que vai ser mãe dentro de meses. Aquele velho rabujento? Um autêntico Scrooge português. O jovem com olhos frios? Procura coragem para fazer frente àquele que o explora. Ou não! Ou algo completamente diferente!
No fundo era isto. Os transportes públicos um dos lugares mais férteis em matéria‑prima. Gente feia, gente bonita. Gente rica, gente pobre. De tudo se vê. Do pedinte ao jovem empresário. Da matrona à senhora de bem. Crianças, velhos, toda a gente acaba por andar de transportes públicos. E as conversas? Como era, delicioso ouvir uma conversa alheia e buscar nela uma ideia nova. E cortar o que se acha mal. Refazer, reescrever, elaborar, cortar, meter, dominar tudo e todos...
O poder...
Tocou levemente no CD que levava no bolso do casaco. Ali estava a sua última criação. Idealizara toda a trama enquanto olhava para dois casais de jovens que alegremente conversavam num café. Esses jovens, que não conhecia de lado nenhum, mas que no seu espírito criara e dominara, eram os seus personagens. Às vezes pensava se porventura essas pessoas, caso lessem os seus livros, se reconheceriam. A forma era a mesma. O conteúdo, esse, só por sorte coincidiria.
Sentou‑se no comboio, olhando, absorvendo. Adorava a viagem até Cascais. Aguardou o seu começo entre gente que passava. Que escolhia criteriosamente o seu lugar, enquanto o podia fazer. Com o aproximar da partida, aumentam os passos, numa correria frenética, desenfreada. A furiosa luta por um lugar sentado.
Tuuut... Um apito. Um estremeção. Fecham‑se as portas. Solavancos. Movimento. A composição, bamboleando‑se de agulha em agulha, demora a chegar à linha principal. Suavemente, aceleramos.
Santos é uma paragem breve. Porto de Lisboa. Em tons de laranja mortiço, sujo e gasto. Uma parede dos primórdios do século feita de tijolos pequenos, compactos. Porto de Lisboa. Barcos atracados. Sempre sós, sem movimento. Descansando entre viagens, ao sabor das insalubres águas do Tejo.
Alcântara. Nova Paragem. Novo arranque. Ocupam‑se os últimos lugares. Não fora a hora de ponta e teria Vitor presenciado o curioso ritual pelo qual as pessoas se evitam. Ocupam o lugar que resta vago, na esperança de que ninguém o queira tomar. Mas não a esta hora. Não há lugares que o permitam. Por muito má que seja a companhia, não é suficiente para afastar o desejo por um lugar sentado.
A viagem ganha rotina. O comboio acelera e avança uniformemente linha fora. Nuns breves trinta minutos chega a Cascais. Trinta minutos que chegam para tornar o dia em noite.
Saíu de fato escuro e um laço ao pescoço. O sobretudo protegê‑lo‑ia do vento e do frio que caminhavam juntos vindos do mar. Desceu a pé as ruas estreitas daquela parte velha da cidade, encaminhando‑se para o rio. Seguiria ao longo deste até ao Cais‑do‑Sodré, onde apanharia o comboio.
Apesar de todo dinheiro que ganhava, Vitor não tinha carro e evitava conduzir. Decidira ser radical no momento em que quase se matou. Ia a caminho dos trinta quando bateu com o seu BMW a mais de duzentos quilómetros por hora. Ia bêbado, e não se lembra de nada a não ser de acordar no hospital. Sentiu-se então perante a necessidade de escolher, um dilema. Ou deixava de beber ou de conduzir.
Na sua vida, o álcool tinha marcado as grandes viragens. Tivera as melhores ideias sobre os efeitos do álcool. Conhecera e perdera as melhores mulheres sob os efeitos do álcool. Apertou a não ao Presidente da República sob os efeitos do álcool. E por causa do álcool, seu amigo inseparável, deixou de conduzir.
Não tinha medo de andar a pé. Nunca fora assaltado e acreditava que nunca o seria. Além do mais, gostava de andar junto com as pessoas, junto com a mole humana. Gostava de olhar alguém e imaginar quem seria, como seria. E se a ideia lhe agradasse, de imediato puxava do papel e escrevia o que lhe vinha à mente. Assim criava os seus personagens.
Era‑lhe por demais agradável moldar aqueles que o rodeavam. Trabalhá‑los a gosto, dando vida a imagens que nos são indiferentes. Quantas vezes nos cruzamos com as mesmas pessoas, aquelas que todos os dias nos acompanham nos transportes públicos? Quantas vezes desejamos saber quem são? O que são?
Para Vitor era diferente. Andar de comboio, de autocarro, de metro, não era rotina. Era uma viagem à fonte da criação. Uma investida ao reino da matéria‑prima. Para ele as pessoas nunca eram as mesmas. E nunca ficavam vazias pois que, apesar de com elas nunca comunicar, acabava sempre por as encher, as completar. Aquela velhinha de ar triste? Está desolada por o neto se ter deixado envolver pelo mundo da droga. Aquela jovem com ar sonhador? Descobriu que vai ser mãe dentro de meses. Aquele velho rabujento? Um autêntico Scrooge português. O jovem com olhos frios? Procura coragem para fazer frente àquele que o explora. Ou não! Ou algo completamente diferente!
No fundo era isto. Os transportes públicos um dos lugares mais férteis em matéria‑prima. Gente feia, gente bonita. Gente rica, gente pobre. De tudo se vê. Do pedinte ao jovem empresário. Da matrona à senhora de bem. Crianças, velhos, toda a gente acaba por andar de transportes públicos. E as conversas? Como era, delicioso ouvir uma conversa alheia e buscar nela uma ideia nova. E cortar o que se acha mal. Refazer, reescrever, elaborar, cortar, meter, dominar tudo e todos...
O poder...
Tocou levemente no CD que levava no bolso do casaco. Ali estava a sua última criação. Idealizara toda a trama enquanto olhava para dois casais de jovens que alegremente conversavam num café. Esses jovens, que não conhecia de lado nenhum, mas que no seu espírito criara e dominara, eram os seus personagens. Às vezes pensava se porventura essas pessoas, caso lessem os seus livros, se reconheceriam. A forma era a mesma. O conteúdo, esse, só por sorte coincidiria.
Sentou‑se no comboio, olhando, absorvendo. Adorava a viagem até Cascais. Aguardou o seu começo entre gente que passava. Que escolhia criteriosamente o seu lugar, enquanto o podia fazer. Com o aproximar da partida, aumentam os passos, numa correria frenética, desenfreada. A furiosa luta por um lugar sentado.
Tuuut... Um apito. Um estremeção. Fecham‑se as portas. Solavancos. Movimento. A composição, bamboleando‑se de agulha em agulha, demora a chegar à linha principal. Suavemente, aceleramos.
Santos é uma paragem breve. Porto de Lisboa. Em tons de laranja mortiço, sujo e gasto. Uma parede dos primórdios do século feita de tijolos pequenos, compactos. Porto de Lisboa. Barcos atracados. Sempre sós, sem movimento. Descansando entre viagens, ao sabor das insalubres águas do Tejo.
Alcântara. Nova Paragem. Novo arranque. Ocupam‑se os últimos lugares. Não fora a hora de ponta e teria Vitor presenciado o curioso ritual pelo qual as pessoas se evitam. Ocupam o lugar que resta vago, na esperança de que ninguém o queira tomar. Mas não a esta hora. Não há lugares que o permitam. Por muito má que seja a companhia, não é suficiente para afastar o desejo por um lugar sentado.
A viagem ganha rotina. O comboio acelera e avança uniformemente linha fora. Nuns breves trinta minutos chega a Cascais. Trinta minutos que chegam para tornar o dia em noite.
(continua)
9.11.05
"O Edifício da Verdade" (3)
Alto, moreno, magro, cara pequena, bonito, uns olhos azuis metálicos... Vitor não podia queixar‑se das armas que tinha. Vestia bem, era simpático, conversador e culto. Sabia rir e fazer rir. Era, contudo, desajeitado na maneira como se relacionava com as mulheres quando assumia um interesse amoroso. Conseguia idealizar, as coisas da melhor forma, mas executava‑as muito mal e, invariavelmente, deixava passar o momento certo. Era, por isso, um homem só.
Frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa sem levar o curso até ao fim. Sempre o achou insatisfatório, redutor das suas capacidades, do seu potencial. Ali via um excessivo formalismo que retira a espontaneidade, que retira o sal da vida. Naquela altura da vida o curso surgiu como uma tábua de salvação, um meio de sobrevivência. Mas não o acabou. Não por falta de capacidade, mas porque, quando estava no quarto ano, deu o seu grito de liberdade apoiado na arte para a escrita. De um momento para o outro, viu‑se na lista dos mais vendidos uma, duas, três, oito vezes.
Acabara agora o seu décimo romance em doze anos e até hoje só tivera um fracasso e um sucesso menor. Todos os outros venderam para além das expectativas, tendo sucessivas edições e sendo, durante semanas, o livro mais vendido, o mais desejado.
Conduzido ao fracasso na vida pessoal, descobriu uma vitória no universo da ficção. Escrevia para dar largas à sua vasta imaginação. Escrevia aquilo que queria ser. Aquilo que era incapaz de atingir. Escrevia o que sentia e porque o sentia. E gostava de pensar que era capaz de mudar alguma coisa com isso.
Se alguma dessas revistas que nada têm sobre o que escrever, fizesse uma sondagem junto do homem comum decerto uma considerável maioria desejaria ser como ele. A imagem pública do escritor era muito positiva. Aparecia frequentemente nos meios de comunicação social, fazia parte do grupo da gente rica e bonita, e beneficiava da identificação com os seus personagens, heróis que nunca se davam mal e sempre venciam no fim.
Mas Vitor era um homem só. Um homem sem mulher ou amigos de verdade. Um homem que só se tinha a si.
(continua)
8.11.05
A FERRO E FOGO - onde estão os limites
Paris, França, vivem dias complicados. As fogueiras sucedem-se consumindo carros, casas, estabelecimentos, tudo sob a capa da exclusão social. Será?
Temo que algo que possa ter começado como uma legítima manifestação de desagrado contra as condições cada vez mais degradadas e degradantes em que vivem milhares de pessoas, essencialmente emigrantes, tenha descambado numa anarquia de contornos sádicos, destrutivos.
à medida que se sucedem as noites de incêndio, o cidadão comum sente-se a viver numa cidade sitiada. Os "desprotegidos", que vivem nos subúrbios de onde virão os "protestos" também não se sentirão a ganhar coisa alguma. O Estado vê-se perante a necessidade de impôr a força, assumir a repressão, ou perder o controlo das fundações da sua própria existência.
É que, bem vistas as coisas, do "lado de lá", por parte dos manifestantes, não há um rosto com quem dialogar. Não há diálogo possível. Ao Estado, representado pelo Governo, só cabe resolver a situação. Mediante a repressão, ou a cedência, tomando medidas... ou numa mitigada solução. Felizmente não me cabe escolher a solução, pois não faço ideia como se resolverá tal imbróglio.
--------------
Por outros países aparecem arremedos de cópia do levantamento. Com que intenção.
A intenção anarca do caos que permite condutas ilícitas sem controlo. O caos é propício à exploração do indivíduo mais fraco, da maioria das pessoas comuns, por uma maioria sem escrúpulos.
__________
Nos outros países também há bairros nos subúrbios, minorias, emigrantes, pobres, desempregados, carências. Há que aprender a lidar com isto, sob pena de hipotecar muito do que se ganhou na segunda metade do sec. XX.
4.11.05
Anos '80 - 80 memórias (39)
Botas caneleiras
Ficaram algures pelos anos 80 aquelas botas caneleiras que toda a gente tinha. De preferência com protectores para fazer mais barulho. Para deslizar nos corredores da escola, para trotar por todo o lado, para enfiar um valente pontapé em alguém inconveniente.
Depois..., depois perdeu-se o cano das botas, aparecerem novos materiais, modelos leves e verdadeiramente impermeáveis, e foi o adeus às caneleiras.
Mas associo-as, sempre, àquele período entre o 1º ano do Ciclo Preparatório e o 9º ano, e aos corredores das duas escolas onde andei.
2.11.05
O Edifício da Verdade (2)
Vitor Cardoso estivera a pé até perto do meio‑dia. Mais de dezoito horas seguidas de trabalho para poder entregar um novo romance ao exigente editor. As cinco horas de sono que conseguiu gozar souberam‑lhe a pouco, mas teve que se levantar. Apesar de ser já um escritor com sucesso, não podia evitar uma série de compromissos. O próprio sucesso impossibilitava-lhe outra opção. A festa desse dia era um desses compromissos, tanto mais que lá entregaria o original da sua nova criação.
De volta ao quarto, ergueu de uma só vez o estore, deixando entrar o sol poente que amarelava sobre as paredes. Cerrou os olhos perante a agressão brilhante que o cobriu e abriu a janela para deixar entrar o ar frio. Sentiu uma corrente de energia positiva. Lá fora, nem uma nuvem, nem um farrapo maculava o céu azul.
Vitor vivia num apartamento pendurado ao abrigo das muralhas do Castelo de S. Jorge, em Lisboa. Apreciou, pois, o Tejo sulcado por cacilheiros frenéticos no seu vai‑e‑vem diário. Apreciou as vizinhas que, lá em baixo, conversavam em voz alta de janela para janela. Apreciou a passarada que iniciava o recolher às escassas árvores que lhes serviam de lar. Apreciou o som de um eléctrico e da campaínha que fez soar enquanto rolava uma ruas abaixo. E sentiu um amargo de boca quando viu um casal que namorava num canto da rua, junto de umas escadas antigas.
Nunca encontrara alguém que justificasse um desejo perene, estável, e nem sabia porquê. Não se fazia de esquisito, excêntrico ou desagradável, mas todas as relações passadas foram efémeras e nunca o marcaram. Por isso, Vitor, com trinta e cinco anos a completar dentro de dois dias, era um homem só. Um homem sem mulher, e quase sem amigos de verdade. Um homem que só se tinha a si.
(continua)
Anos '80 - 80 memórias (38)
Quando era miúdo havia uns rebuçados em forma de limão, que se vendiam avulso, a peso ou à unidade. Eram bombas de açucar, duros, que se deixavam desfazer na boca. Muito amarelos (provavelmente cheios de corantes) e aliavam o doce do açucar com a acidez do limão.
Era viciado naquilo.
A dada altura deixei de os ver. Será que ainda existem?
A memória da goluseima confunde o prazer que davam com a qualidade que tinham. Em bom rigor nem posso afirmar que eram bons.
Sabiam bem. Isso sim. E sempre que podia ia comprá-los na mercearia do "Sr. Ernesto".
31.10.05
O Edifício da Verdade (1)
I
Calma...
A música que enchia a quietude era inconfundivelmente o Requiem desse génio que deu pelo nome de Mozart.
A luz escasseava, parecendo mesmo que a penumbra que invadia o quarto tinha por responsável a noite exterior. Porém, uma observação mais atenta conduziria o olhar ao relógio electrónico que empurrava para fora do canto sombrio os dígitos vermelhos das 17:09. No lado oposto, um candeeiro velho, com um quebra‑luz amarelo torrado, providenciava a parca iluminação. Em cima da secretária antiga repousava um computador portátil.
O ambiente estava pesado. Muito pesado.
Sobre a cama, deitado de bruços, um homem jazia nos braços de Morpheu. Não se imagine este quarto arrumado. Não!, pelo contrário. Folhas de papel manuscritas e impressas estavam por todo o lado, quase divinamente omnipresentes. Na secretária, na cama, na cadeira, no tapete, junto às meias sujas... Até poderia parecer que um tornado se ocupara da sua caótica distribuição, não fora uma resma de papel A4 impresso estar devidamente arrumada ao lado do teclado. A primeira página tinha escrito em letras gordas:
“Procura implacável” por Vitor Cardoso.
Cinco e um quarto. Por cima do Requiem, o som em mono de uma horrível música comercial capaz de acordar qualquer um.
Estremunhado, Vitor levanta as pesadas pálpebras e arrasta‑se para a posição de sentado. Olha com desconsolo a barafunda que o rodeia. Deixa‑se tombar para o lado, ficando deitado com as pernas caídas para fora da cama. Estica o braço logrando obliterar a irritante música do rádio‑despertador. Se assim ficasse, a ouvir a obra de Amadeus Mozart, decerto voltaria ao país dos sonhos. Faz um esforço sobre-humano para, quase pelo tacto, trocar de CD.
A escolha ao acaso oferece-lhe Neil Young ao vivo com os Crazy Horse. W.E.L.D. Com uma batida assim não se dorme, especialmente se se eleva o som até fazer estremecer os vidros. É daqui que Vitor retira as energias para se arrastar até ao duche.
(continua)
28.10.05
Porque os juizes ganham muito, não é?
D.R 205, II Série, 25.10.2005, p.15222
Esta senhora vai ganhar tanto ou mais (anda ali por perto) que um Juiz com 11 anos de antiguidade. É jornalista.
Privilégios?
Orgãos de soberania?
Notas
Cumprida a greve dos Juizes, creio ter a mesma atingido um dos seus objectivos: ouviu-se a mensagem sem a deturpação política imprimida pelo Governo. Para quem ouviu com atenção (infelizmente, terão sido poucos), deu para perceber que não estão em causa apenas privilégios (a maioria dos quais julgo justificados e até insuficientes), mas sim, e essencialmente, problemas de prestígio, credibilidade e autoridade, minados constantemente pelo actual Governo.
O Primeiro-Ministro dispara para o lado, fugindo à questão e dando realce ao que mais facilmente parece injustificado para se salvaguardar na demagogia do discurso político. É bem sucedido e os jornalistas vão atrás. Quando o PM diz que os Juízes estão contra ficar com o sistema de saúde de todos os funcionários públicos, assim se acabando com um privilégio injustificado, porque razão não houve um único dos repórteres que lhe perguntasse "então porque ficam os SSMJ a funcionar à mesma para os investigadores da PJ, para os Serviços Prisionais e para o Instituto de Reinserção Social?". Gostava de ver Sócrates responder a essa.
O Minstro da Justiça foge às questões de fundo e leva os jornalistas consigo. Fala-se de requisição civil, de serviços mínimos, de existirem pessoas prejudicadas com a greve (não é esse o fim da greve?) e termina sempre alijando responsabilidades, como se tais "danos" não fossem uma consequência da sua condução da pasta. Quem o ouvir nem acredita que ele é o responsável pela Justiça.
Hoje o Independente trás à capa o caso de Alberto Costa em Macau, do qual uma vez falei neste blog. Tirando a manchete enganosa, num truque fácil, o jornal relembra um bom exemplo do carácter do ministro.
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Nas presidenciais correm fluidas as sondagens que alimentarão o discurso até à eleição. Alegre aparece à frente de Soares. Alguém está surpreendido? Cavaco é dado como certo. Como já ouvi dizer, o melhor é ele não falar muito até às urnas. É que de cada vez que abre a boca perde votos. Pela falta de conteúdo, de segurança, pelo excesso de cautelas e lugares-comuns. A ver vamos.
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Os passarinhos têm gripe. Está lançado o alerta. Depois dos primeiros dias de excitação histérica, parece que com maior informação o surto é encarado com mais segurança. Esperemos que o Ministro da Agricultura, que não poupa esclarecimentos, esteja certo. Esperemos que as farmacêuticas não venham a ganhar muito dinheiro com esta gripe. Seria um bom sinal.
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Wallace & Gromit estão de volta. Há mais uma meia-dúzia de filmes para ver. Para quem paga o KingKard todos os meses tenho deixado de o usar. É altura de corrigir isso.
24.10.05
Ventos e chuvas
Enquanto o mundo se enrola em ventos e chuvas, com força devastadora, o homem enfrenta cada vez mais o alastrar de dificuldades para manter o seu status quo no ecossistema.
Uns enfrentam furacões como nunca antes, outros seca, outros cheias, terramotos, doença, fome. Nas suas torres de cristal os poderes instalados só se lembram do resto da humanidade quando isso lhes pode custar uma perda de poder.
Cada vez menos lentamente, mais pessoas enfrentam as adversidades climáticas. O planeta é um sistema, sujeito a muitas pressões. Se o desequilibram, pode tornar-se "um mau rapaz"
Por cá vamos continuando. Contra ventos e marés, resistindo à pressão alarmista dos media, e ao narcótico efeito das declarações dos políticos, para quem tudo está sempre "sob controlo".
Até ao dia...
20.10.05
Dúvida
Nos dias de hoje tenho sérias dúvidas. Esta história da gripe das aves é para levar a sério? É coisa pior que o Ébola?
Os estamos perante a habitual histeria ocidental alimentada pelos media?
Tenho mesmo muitas dúvidas.
19.10.05
Dentes
Ao que consta, os tubarões não têm dores de dentes, apesar de andarem à dentada a chapas de matrícula e outro lixo, e nunca, nunca, irem ao dentista.
Ao que consta, a calvice não atinge os ursos polares.
Ao que consta, o Homem é o único animal que, de mote próprio, corta as unhas e o cabelo, usa Dercos... e vai ao dentista.
17.10.05
Mundos fechados
Vinha hoje no metro e reparei numa coisa muito curiosa. É elevado o número de pessoas que, logo pela manhã, leva auriculares, auscultadores, “orelhinhas”, como quiserem chamar-lhes colocadas. Na era da música digital, dos i-Pod e afins, nada mais natural. Saído de casa, entrado no transporte público, o indivíduo fecha-se ao que o rodeia numa orla musical. É algo que vem de longe, desde os walkman, os leitores portáteis de cassetes, que muito utilizei nos idos anos 80 da adolescência.
O que é estranho, é ver gente que viaja acompanhado, usar tal aparelho.
Ou ambos usarem o aparelho.
Hoje vi três miúdas, com ar de escola secundária, que viajavam juntas. Cada uma ouvia música a partir do seu aparelho, ocasionalmente dando sinais de reconhecerem que as outras estavam ali ao lado. Porém, a comunicação não era verbal. Não aproveitavam para falar do fim-de-semana que acabou, do que fizeram, viram ou leram. Apenas estava juntas, cada uma ao seu ritmo. A dada altura uma apontou para um ouvido e disse qualquer coisa. Uma das amigas ignorou, a outra perguntou “O quê?”, mas não retirou algum dos apêndices auditivos para melhor escutar a resposta. Depois da repetição abanou a cabeça sorrindo, fechando-se de novo na carapaça musical.
Isto é mesmo estranho, ou estou a ficar velho?
O que é estranho, é ver gente que viaja acompanhado, usar tal aparelho.
Ou ambos usarem o aparelho.
Hoje vi três miúdas, com ar de escola secundária, que viajavam juntas. Cada uma ouvia música a partir do seu aparelho, ocasionalmente dando sinais de reconhecerem que as outras estavam ali ao lado. Porém, a comunicação não era verbal. Não aproveitavam para falar do fim-de-semana que acabou, do que fizeram, viram ou leram. Apenas estava juntas, cada uma ao seu ritmo. A dada altura uma apontou para um ouvido e disse qualquer coisa. Uma das amigas ignorou, a outra perguntou “O quê?”, mas não retirou algum dos apêndices auditivos para melhor escutar a resposta. Depois da repetição abanou a cabeça sorrindo, fechando-se de novo na carapaça musical.
Isto é mesmo estranho, ou estou a ficar velho?
12.10.05
Afinal
Afinal, lá fora, a chuva continua a cair, intensa e regularmente.
No meu gabinete, de janela aberta, ouço-a correr pelos telhados e tombar em grossas cadeias no empedrado dos passeios.
Como dira Robert DeNiro no Taxi Driver, é bom que chova. Gosto da chuva. Limpa as ruas. A escumalha que nelas vive corre à procura de abrigo.
Não vou tão longe. Contento-me com a limpeza do pó, da terra, dos restos do Verão.
E aqui sentado, deixo-me embalar pelo som da correnteza que ocasionalmente espreito, só para ter a certeza que é do céu que vem tanta água.
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Já repararam na velocidade a que os resultados das autárquicas deixou de ser notícia? Já não se maturam ideias nos media. Apenas nos blogs se encontra a reflexão sobre os acontecimentos políticos.
A quem interessa esta superficialidade?
11.10.05
Anos '80 - 80 Memórias (37)
Regresso a esta rubrica quatro meses depois do último post. Digamos que as memórias foram de férias alargadas.
Regresso com um nome que fez furor na minha infância, durante os anos '70, tendo a década seguinte presenciado o seu ocaso televisivo. Com a SIC Radical apareceu uma singela referência a este ícone. Falo do "koniec" no fim das séries.
Já sabem de quem falo, não é? De Vasco Granja, aquele tipo estranho que nos fazia gramar com desenhos animados polacos, checos e canadianos antes de nos oferecer os clássicos da Warner Brothers.
Ainda hoje tenho uma vaga memória das animações de Normam Maclaren (repetidas amíude nos primeiros anos do Onda Curta, no canal 2), das animações de desenho rudimentar com personagens que não falavam, mas gemiam. De desenhos com neve, tempestade, guerra, e uma mensagem política no fim, quantas vezes a favor de uma autoridade forte.
Vasco Granja falava, explicava, e vibrava, enquanto nos chamava de "meus pequeninos", ou "meus amiguinhos", numa postura típica que se esgotou em plenos anos '80. A animação passou a aparecer a seco, sem prévia apresentação, ou então inseridas em programas coloridos, vibrantes e histéricos, com jovens e crianças como apresentadores.
A animação em muito se alterou. Não sei o que nos traria Vasco Granja hoje se tivesse tempo de antena. Sei que, daqueles tempos, ficou um gosto especial pela animação, a BD e o cartoon.
10.10.05
2 Anos
Já lá vão dois anos que comecei este blog.
Tornou-se um hábito desabafar aqui. Inventar aqui. Comentar aqui.
Obrigado por não me deixarem a falar para o vazio.
Obrigado mesmo.
Chuva
A chuva regressou à cidade. Por pouco tempo, que lá fora o sol ameaça romper, e o calor já secou as águas que rapidamente lavaram as mágoas das eleições autárquicas.
Isaltino, Valentim, Fátima... todos mostraram quão cego o povo é. Quanto gosta de criticar que tudo está "cheio de corruptos" mas nem hesita em apoiar quem já está suficientemente indiciado de tal prática. No fundo, a corrupção dos políticos é apenas um pouco maior que a dos cidadãos que neles votam. Maus são os juízes e o MP que os querem condenar.
Em contrapartida, Avelino mostrou que apenas os santos da casa fazem milagres, e a mudança de área de jogo o deixou sem o apoio pretendido. No fundo, deu um passo maior que a perna.
Manuel Maria lá voltou a casa com o rabinho entre as pernas. Trovejava e ele chamava por Santa Bárbara.
Rui venceu, mesmo com o FCP apostado em miná-lo, pois que nestes quatro anos o apoio da Câmara não foi cego como nos tempos do PS.
João, filho de Mário e de Maria, ousou querer o património mundial que é Sintra. Mas o passado que arrasta levou-o ao fundo. Nem uma ignóbil mãozinha do papá, violando pela segunda vez as leis eleitorais, apelando descaradamente ao voto no filho lhe valeu.
Jerónimo regozija. Parece que o PCP, sob a sua batuta, faz mais do que respirar à tona.
Já Francisco lamenta que o BE não tenha peso autárquico. Pudera, se a sua única presidente de Câmara já é arguida...
Pelas bandas do PP amarga-se a longa e grande queda desde o topo. Neste momento, navega em águas escuras e revoltas, sendo inseguro o destino do barco azul e amarelo.
A selecção portuguesa fez uma exibição miserável contra um adversário fraco. Até esta campanha o pior resultado de Portugal contra o Liechenstein tinha sido 5-0, ganhando, naturalmente.
Na casa do adversário, a ganhar 2-0 deixaram-se empatar. Cá, começam a perder e dificilmente vencem. Não vale a pena queixarem-se do árbitro que não viu dois penaltis a favor das quinas, um deles do tamanho de um elefante. É que, mesmo assim, deveriam ter ganho por 6-0.
Vão assim para a Alemanha que rapidamente engolem a fanfarronice.
Lá fora a terra treme, as chuvas arrastam, o gelo descongela, a areia ganha terreno, as aves matam. Por este andar, todas as outras preocupações serão, brevemente, uma saudosa memória.
3.10.05
Tratamento da Justiça
Foi nomeada uma comissão para o estudo e revisão da li penal e processual penal.
Nessa comissão não estão incluídos Juízes ou Ministério Público.
Nomeada que foi a comissão apareceram logo no Diário da República as nomeações de secretárias, acessores e motorista(?).
Onde está a classe privilegiada dos Juízes?
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Os Serviços Sociais do Ministério da Justiça são um subsistema de saúde à parte. O Governo quis convergir os seus beneficiários na ADSE, por razões económicas. É pena, mas até seria justificável.
Porém, não creio que seja essa a verdadeira intenção do Governo. Porque os SSMJ não vão acabar. Vão continuar para a carreira de investigação da Polícia Judiciária (após ameaça de greve, também para os administrativos da PJ !!), para os Serviços Prisionais e ainda para o Instituto de Reinserção Social. Excluídos: apenas os Juízes, o Ministério Público e os funcionários judiciais. Ou seja, quem trabalha nos Tribunais.
Para um sistema numa pequena parte financiado por uma pequena parcela das custas judiciais, não deixa de ser estranho.
Para aqueles que se queixam que, nas custas, estão a pagar os SSMJ, olhem com atenção para a enorme parcela das custas que se destina à ... Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados. Este organismo, rico que está, investe em imobiliário que, depois, arrenda ao Ministério da Justiça para aí instalar Tribunais. Arrendamentos, claro, de milhares de contos mensais.
É impressão minha, ou algo está profundamente errado nisto tudo?
Lisboeta
Desde Sábado que sou, realmente, lisboeta. Passei a viver na capital. Saí do "subúrbio" (não sei se as aspas são correctas; o Murtal, Parede, é um subúrbio).
Hoje experienciei a ida para o trabalho caminhando até à estação de Metro e vogando pelos subterrâneos até ao destino. Vinte minutos, passando pela calma de um dos melhores jardins de Lisboa, onde gente praticava tai-chi às oito da manhã.
A casa ainda está um caos, apesar de um fim-de-semana de trabalho. Acumula-se desarrumação. Pequenas coisas têm que ser acabadas, afinadas e também reparadas. Aos poucos a mudança chega ao fim.
Em 1998, ainda com 26 anos, mudei-me pela primeira vez, ao sair de casa dos pais. Foi um passo de gigante, mas, como não fui para longe, a mudança não foi assim tão evidente. Foi mais relevante pela conquista do espaço, da autonomia. Agora, a dois, há mesmo uma ruptura, uma clara alteração de residência, de espaço, de vida.
Esperemos não me enganar no regresso a casa e apontar para o comboio com destino à parede. :o)
29.9.05
Pressões e feijão frade
Artur Portela abandona a AACS porque, alegadamente, sentiu as pressões do PS sobre a matéria da renovação das licenças de televisão para as Televisões Privadas.
À volta deste episódio: silêncio.
Alguém se lembra do que disse Sócrates quando, alegadamente, o PSD de Santana Lopes exerceu pressões relativamente à posição de comentador da TVI desempenhada por Marcelo Rebelo de Sousa.
Cada vez mais o PM lembra o feijão frade. Tem duas caras.
28.9.05
Recta final
A empresa já está contratada. No próximo sábado, pelas 09h00m lá estarão a bater à minha porta para a grande mudança.
Sinto-me na recta final. Ir para casa ao fim do dia e desmontar as últimas coisas, encaixotar as últimas peças, antecipar o caos.
Dizer adeus àquelas paredes onde vivi sete anos. Dormir na minha primeira casa pela última vez.
E desejar que isto esteja tudo passado, que me veja, calmamente, a montar estantes do IKEA (vão entregá-las na sexta-feira), a desencaixotar livros e a arrumá-los, a procurar espaços novos para rotinas velhas.
E a ter dinheiro para, em breve, comprar um ampliador de fotografia (se souberem de alguém que tenha um em 2ª mão avisem) para colocar no laboratório construí e dedicar-me a fazer render a arte arqueológica que aprendi faz um ano.
Arrumar o carro e só me lembrar dele ao fim de semana. Andar de Metro e a pé. Viver a cidade.
Já estou há demasiado tempo à espera da mudança de toca. Agora que vem aí o Inverno, é tempo do Urso Polar hibernar noutro buraco no gelo.
26.9.05
Neura
Ando a ficar com uma neura terrível. Os candidatos autárquicos são tão maus, tão maus, que nem consigo acreditar que alguma Câmara Municipal fique bem servida. O PS tem mais tentáculos que um polvo e à boa maneira mafiosa protege os seus, alimenta-os, distribui-os e quem não tem cartão ou "dá um jeitinho" não tem direito a nada. A oposição larga urros e sons inconsequentes, como se vivesse em permanente campanha, confundindo-se Governo da Nação com Administração Local, com Presidência da República.
Salva-se a RTP Memória que desenterrou o "Monty Python's Flying Circus".
Porque "nonsense" é o dia-a-dia vivido sob os raios da comunicação social, de favor em favor, a abafar o eco das notícias dos outros com receio de incomodar esta horrível classe dirigente que governa o nosso futuro.
Deve ser da 2ª-feira. Não há pachorra.
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