TOLAN
Em criança as idas a Lisboa, não obstante estar a capital tão perto, eram sempre uma ocasião especial. A viagem era feita de comboio e dentro da cidade nos autocarros da Carris. Ir a Lisboa era sinónimo, invariavelmente, de uma ida ao médico, ou visita a alguém.
Por isso, chegava pelo Cais do Sodré e, quase sempre, o autocarro levava-me ao longo do Tejo até ao Terreiro do Paço, onde virava embrenhando-me na Baixa. Ora, durante vários anos, nesse trecho do percurso, espreitava com ansiedade a aparição do Tolan, fiel amigo da navegação fluvial que ali permaneceu durante muito tempo.
O Tolan é uma memória difusa, mais ainda assim forte. Pesquisei na rede e nada de informativo encontrei sobre o navio. Impossibilitado de avivar a memória, não sei quando se afundou, ou quando foi removido do fundo do Tejo.
Sei apenas que aquele barco, conhecido como o "porta-aviões das gaivotas", tinha parte da quilha à tona, o fundo vermelho ao sol desbotava, enquanto o resto do aço desparecia nas profundezas do rio que banha Lisboa. Ali se afundou, em condições e por causas que diziam ter sido estranhas. Ali permaneceu, alimentando histórias contadas à boca pequena, de que a sua carga continha armas para tráfico, ou de que no seu interior estariam cadáveres que não interessava descobrir.
Era um marco de Lisboa, quando a visitava, naquela década de 80. O Tolan, no Tejo, alimentando intrigas.
Era um risco para a navegação. Tarde, disseram os marinheiros, foi removido. Tardou, mas o rio perdeu o seu afundado amigo, e as gaivotas perderam o seu poiso privilegiado, de onde contemplavam o tráfego dos cacilheiros e das gentes que diariamente alternavam entre as margens do Tejo.
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