23.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (17)



Era um jovem como qualquer outro. Metódico, adivinhava-se. Pelas vezes que olhava para o relógio, para o painel das chegadas, para as linhas lá ao fundo. Por ter consultado o horário que cuidadosamente tirara da carteira.

Chegou cedo. Faltavam quinze minutos para o comboio chegar. Sentou-se no banco ali ao lado, observando tudo, tal como eu fazia. Senti-o observar-me. Tentava relaxar mas não o conseguia. Não havia naturalidade na sua postura. Parecia estar a estudar, a preparar o seu próximo movimento, as suas próximas palavras.

Com um rigor matemático, no momento em que o nome do comboio que aguardava desapareceu do quadro, sinal da sua chegada, ergueu-se e, lesto, caminhou para a gare.
Saiu muita gente. Muita gente mesmo.

No fim, depois de todos, ele regressou, Só. Olhava a toda a volta, procurando quem afinal não viera.

Rodopiou, andou, parou, voltou para trás, hesitou...

Quando, por fim, viu e confirmou a chegada do próximo comboio, bufou e veio sentar-se. A meu lado, posto que o seu pretérito lugar fora ocupado por uma família angolana.

Apercebi-me do que passava pela sua cabeça. A raiva contida, mastigada... a frustração... o medo. Estudava todas as hipóteses. Compunha o sermão... Sim, iria fazer-lhe um sermão! Mastigava. Assoprava. Tremia. E temia.

Ela veio uma hora depois.

Bastou um sorriso. Um infantil "desculpa" que nem foi pronunciado. Só olhado.

Completamente desarmado, esqueceu de imediato aqueles terríveis sessenta minutos. Olvidou totalmente o sermão.

Levantou-se e envolveram-se num enorme amplexo.

Estavam de novo juntos.

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