- Então?, já compraste a merda dos bilhetes?
Era um negro com patilhas brancas. As cãs venciam na sua carapinha curta coberta por uma boina castanha. Era um tipo seco, duro. E a sua voz, cuspida, soava malevolente.
- Já.
- Então vai buscar o puto.
A interlocutora era maior do que ele. Especialmente para os lados. Além da largura natural, estava estupidamente grávida. Uma mulher com uma barriga daquele tamanho só podia mesmo estar à beira do parto.
Estranhei a cena. Era notório que a mulher já tinha dificuldade em mover-se, porém ele mandava-a comprar os bilhetes, ir buscar o puto... Quando por mim passou, vi raiva, desilusão, frustração, sofrimento nos olhos grandes e profundos daquela mulher. A criança, com uns quatro anos, era um lindo rapaz, vestido qual homem em ponto pequeno. Ainda fugiu mas, apercebendo-se do sofrimento materno, capitulou, deixando-se levar pela mão.
De novo juntos, ele disse:
- Traz a mala. É para a linha três.
Não pude acreditar. Ela ainda tinha que levar a mala, decerto pesada a julgar pelas dimensões!?
Ele arrancou à frente, deixando-a para cumprir a tarefa. Ela baixou-se. E do bolso caiu um pacote que se apressou a reconduzir ao abrigo do casaco. Reconheci uma embalagem de pesticida.
Porque raio andaria uma mulher grávida com pesticida nos bolsos em plena estação de Santa Apolónia?
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