4.2.05

"Um Imenso Caldeirão" (7)




Com o último comboio fecharam as portas da estação. Vi-me cá fora, ao frio, na solidão da noite, olhado como todos aqueles mendigos que aproveitam até ao último momento o calor, a protecção daquele edifício.

Pensei em ir para casa. Era perto. Ali, na costa do castelo. Mas não podia. Não podia ir para longe. Não podia afastar-me dali. Porque, a qualquer momento, ela podia chegar. Até mesmo no primeiro comboio, logo pela madrugada. Ou..., sei lá! Não podia fugir.

Frio. Eu nem estava agasalhado. Sentia os dentes a bater, as extremidades a gelar, uma estranha dor de cabeça, cada vez mais persistente...

Sentei-me numa paragem de autocarro, protegido da luz dos candeeiros e procurei abstrair-me de tudo. Àquela hora apenas os carros que voavam baixinho na negra faixa empedrada perturbavam uma calma doentia que se estendia por todo o lado. Corpos enrolados em mantas velhas e cartões espalhavam-se junto às portas da estação. "Inter-railers" nos seus sacos-cama já não se viam. O Outono não era a sua época.

Quem eu vi que me despertou a curiosidade foi um casal jovem que tomou abrigo noutra paragem. A paragem do 9, do outro lado da rua. Não eram sem-abrigo. Não eram viajantes. Notava à distância que tinham perdido o último suburbano e que se viam na contingência de aguardar pelo primeiro.

Não podia ouvir o que diziam. E só ocasionalmente vislumbrava as suas feições. Com o correr da noite apenas senti que ficavam mais perto um do outro à medida que falavam.

Quando abriram as portas da estação, horas depois, entraram lentamente à minha frente. Estavam cansados, com frio, mas mais unidos que... que antes, porque "nunca" é muito tempo. Com eles estava tudo bem. Pior seria separarem-se. Mas isso já não era comigo. Eu, assim que entrei, olhei para os quadros electrónicos.

Ela viria.
Ela viria.

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